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terça-feira, 15 de março de 2011

PL que propõe regular teletrabalho tem clara inclinação para a flexibilização

Aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei 4.505/2008, de autoria do deputado Luiz Paulo Velozzo Lucas (PSDB/ES), que tem por finalidade regular o teletrabalho, aguarda pela apreciação do plenário da casa.
Teletrabalho são todas as formas de trabalho desenvolvidas em um ou mais lugares diversos, e minimamente na sede da empresa, mediante uso de telemática. O teletrabalho, ou seja, trabalho a distância, que recebe nos Estados Unidos as denominações de remote working, networking ou telecommuting e, na França, Espanha e Itália é chamado respectivamente de télétravail, teletrabajo e telelavoro, é hoje uma realidade não apenas nos países citados, mas em inúmeros outros, entre eles, o Brasil.
Hoje, em nosso país, é usado sob normas de cunho genérico e as proposições sistematizadas no projeto de lei do autor do projeto podem implicar em novas precarizações das relações sociais. 
O parlamentar entende que a lei trará benefícios tanto para o trabalhador, como para o empregador e também para o Estado. Sua justificativa está ancorada em três pilares: a) melhoria da qualidade de vida do trabalhador, com inclusão social de portadores de necessidades especiais ou de pouca mobilidade; b) redução de custos empresariais; e, c) diminuição da poluição e trânsito em grandes centros.
Porém, em que pese a exposição de motivos de seu autor, a proposta tem muito a ser aperfeiçoada. Por si só, o teletrabalho já é degradante para o trabalhador. E se a lei que vier a regulá-lo não contiver o propósito de protegê-lo, deve ser sumariamente desprezada.
A proposta do parlamentar tem um caráter eminentemente flexibilizador, com carga extremamente perniciosa ao trabalhador, assim como outras leis pós-modernas, com clara inclinação para a flexibilização, sob o argumento de que melhorarão a produtividade, os ganhos do capital, a vida do trabalhador e da coletividade como um todo.
São exemplos clássicos desta tendência: as terceirizações, subcontratações, trabalhos temporários, cooperativas de trabalho, e tantas outras que apareceram nestes últimos tempos.
Infelizmente, são mecanismos que lançam mão de instrumentos opressores, muitas vezes revestidos de roupagens modernas que propagam melhorias nas condições sociais para impor contratos de trabalho mais flexíveis, como por exemplo, o teletrabalho.
É preciso que fique claro que, com ou sem esta lei, o teletrabalho não aumentará os níveis de emprego, mas será apenas mais uma forma de flexibilização e desregulamentação. E, analisando friamente, o referido projeto de lei não traz nenhum benefício ao trabalhador, visto que na Consolidação das Leis do Trabalho já há previsão para o trabalho em domicílio ou home office, que regula o contrato de emprego, com todas as suas implicações.
Também é possível verificar que ele retira garantias mínimas do trabalhador, como o direito às horas extras, além de transferir-lhe os riscos do empreendimento.
Ora, com o uso da tecnologia a empresa tem meios eficazes e fáceis de promover a fiscalização, principalmente por meio dos aparelhos de videofiscalização, capazes de fazer registros diversos - inclusive de cumprimento de jornada -, e até superiores aos praticados dentro da sede. Através de centro de dados há fornecimento de instruções, controle de qualidade e quantidade de trabalho de forma instantânea. A internet permite, ainda, aferir o tempo de conexão do terminal, quando foi acessado pela última vez o teclado, pausas, erros, falsas manobras, cadência de trabalho. Se o trabalhador desrespeitar os procedimentos codificados, o programa bloqueia as atividades por falta da ativação das operações predeterminadas. Na realidade, as instruções do empregador encontram-se incorporadas no próprio instrumento de trabalho e cerceiam a livre iniciativa do empregado.
Assim, negar o pagamento de horas extras ao teletrabalhor, como propõe o projeto de lei é negar a própria essência do Direito do Trabalho.
Um trabalhador em flexitempo controla o local de trabalho, mas não adquire maior controle sobre o processo de trabalho em si. A essa altura, vários estudos sugerem que a supervisão do trabalho muitas vezes é maior para os ausentes do escritório que para os presentes. (RIFKIN, Jeremy. The End of Work. New York: Putnam, 1995)[1]
Outra crítica que se pode fazer à proposta é a dificuldade que os órgãos fiscalizadores do Estado terão para aferir as reais e verdadeiras condições de trabalho, bem como a implementação de garantias constitucionais mínimas. A mencionada proposição não protege o trabalho em face da automação, mas o flexibiliza e desregulamenta.
Também não há, na propositura, nenhum dispositivo que obrigue a empresa a contratar mão de obra nacional, pois normalmente, no teletrabalho, a empresa arregimenta mão de obra mais qualificada na Índia e China, por um preço inferior ao que teria que pagar ao brasileiro.
Por fim, se o Congresso Nacional não aprimorar o presente projeto de lei, para conceituar de forma correta o instituto do teletrabalho, é melhor continuarmos com a genérica legislação vigente.
*Wagner Luiz Verquietini, é advogado especialista em Direito do Trabalho do Bonilha Advogados


[1] Sennett (ob. cit., p. 175) completa: “Os trabalhadores, assim, trocam uma forma de submissão ao poder - cara a cara - por outra, eletrônica; foi o que descobriu Jeannett, por exemplo, quando se mudou para um local de trabalho mais flexível no leste. A microadministração do tempo avança seguidamente, mesmo quando o tempo parece desregulado em comparação com os males da fábrica de alfinetes de Smith ou do fordismo. A ‘lógica métrica’ do tempo de Daniel Bell passou do relógio de ponto para a tela do computador. O trabalho é fisicamente descentralizado, o poder sobre o trabalhador mais direto. Trabalhar em casa é a ilha última do novo regime” (destaques nossos). Alain Supiot (Travail, droit et technique. Droit Social, p. 23, janvier 2002) também assim se pronuncia: “Les nouvelles technologies de l’information et de la communication ne viennent pas contredire le vieux modèle industriel, mais lui donnent au contraire les moyens d’un exercice subreptice, où la numérisation et la traçabilité des donnés viennent remplacer l’oeil du contremaître”.

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