O
APOCALIPSE TEM DATA MARCADA
Uma cruzada contra os Direitos Sociais
(*) Por Renato Novaes Santiago e Wagner
Luiz Verquietini
Na
onda sombria encampada pelo Supremo Tribunal Federal, o Ministro Luiz Fux
marcou para o próximo dia 09.11.2016 a análise e julgamento do RE 958.252 com o
recorrente tema da terceirização trabalhista.
De
início, merece destaque a velocidade em que matérias relacionadas ao Direito do
Trabalho e Previdenciário vêm sendo pautadas pelo STF nos últimos meses. Tem-se
pressa para deturpar o pouco que nos resta de humanidade.
Podemos
citar em 08.09.2016 o julgamento do RE 895.759 (1159) – decisão do Ministro
Teori Zavascki acolhendo a tese do negociado sobre o legislado; 14.09.2016 -
ADIN 4842 – Ministro Celso de Melo empresta validade a jornada diária de 12
horas, em total afronta à Constituição Federal; 07.10.2016 – Reclamação 24.597
– Ministro Dias Tofoli nega direito de greve aos servidores da saúde em geral e
abre uma porta para eliminar o Direito Constitucional do setor Público; no
mesmo sentido o RE 693.456, de 27.10.2016, autorizando o desconto dos dias
parados em movimento grevista; 14.10.2016 – ADPF 323 – Ministro Gilmar Mendes
determina a suspensão de processos sobre a validade de normas coletivas.
Já
o julgamento da ADI 1625 sobre a constitucionalidade da denúncia da Convenção
158 da OIT. – o que poderia gerar a vedação das dispensas arbitrárias, se
arrasta por quase 20 anos. Pasmem, este processo ainda necessita de vistas.
A
partir do momento em que os Direitos Sociais foram eleitos como os vilões da
economia nacional e que o executivo não quis assumir o risco político de
promover esta reforma vil, há um acordo implícito para que os Tribunais
Superiores, mormente o STF encampe o enxugamento da legislação pela via
transversa da desconstrução do arcabouço protetivo, sem peso político para o
executivo e legislativo.
Trata-se
de manobra de viés ideológico abominável, pois usando da teoria da
Constitucionalização ampliada do Direito, o STF passou a admitir com
repercussão geral matérias que não poderiam ser analisadas em uma Corte
Constitucional.
Os
números demonstram que há um compromisso do STF no sentido da deturpação do
Direito do Trabalho, pois os ataques se dão em pontos estratégicos com o poder
de desestruturar toda a compreensão jurídica sobre o ramo trabalhista.
Caso
o Tribunal siga no sentido dos demais julgamentos, teremos outro covarde ataque
contra a Constituição Federal e o Direito.
A
tramitação demonstra o momento histórico que vivemos. O processo foi
distribuído em março de 2013. A primeira decisão – de abril de 2013 respeitou
os precedentes, e, por não se tratar de matéria constitucional, o Recurso
Extraordinário teve seu seguimento denegado. A recorrente agravou e em
11.06.2013 foi negado, ou seja, mais uma vez se manteve a coerência
jurisprudencial.
A
flexibilização das normas processuais se deu de forma tão “atípica”, que, em
sede de Embargos de Declaração, a Turma reforma sua decisão e dá provimento ao
recurso. Tergiversou sobre toda a construção da Corte ao admitir o Recurso
Extraordinário com violação ao art. 5º, II, CF/88, inclusive com repercussão
geral.
Terceirização
trabalhista não é matéria constitucional! Dessa forma não estaria afeta à
competência do Supremo. É desonesto o estratagema usado: filtragem
constitucional. Os precedentes da Corte são no sentido de impossibilitar a
análise reflexa da Constituição, mas pontualmente passou a não ser respeitados.
Deixando
de lado os mínimos aspectos jurídicos que envolvem o tema, o fenômeno da
terceirização irrestrita terá um poder apocalíptico contra o que se compreende
hoje como Direito do Trabalho.
Abre-se
a possibilidade para empresas sem nenhum empregado. O empregador poderá fatiar
todos os setores do negócio e terceirizar. Acaba, assim, com a pessoalidade da
relação de emprego e a invisibilidade tão cruel dos setores terceirizados se
universalizará.
Empresas
que não existem dirigindo funcionários invisíveis e descartáveis, perfeito
cenário para essa distopia a que estamos prestes a ingressar.
A
justificativa é do aumento do emprego e da melhoria da produtividade,
competitividade e redução de custos.
Nenhum
desses aspectos serão alcançados com a terceirização ilimitada.
Não
há sequer uma única comprovação de que terceirização aumenta postos de
trabalho, haveria, no máximo, a substituição de um empregado por um
terceirizado.
Outra
falácia é a da redução de custos para a empresa. Em que pese o salário dos
terceirizados ser em média 25% menores do que um empregado efetivo, essa redução
se perde no processo de locação de mão de obra e não chega ao tomador – a redução se perde também no lucro da empresa
intermediária, na possibilidade de passivo trabalhista, nos aditivos
contratuais.
Nem
mesmo a questão da produtividade pode ser levantada, pois as locadoras de mão
de obra não investem em especialização de pessoal e um trabalhador sem contínuo
aprimoramento perde em sua capacidade de se inserir em novas práticas
produtivas.
A
intensificação do labor e o descaso com as normas de segurança do trabalho
trazem consequências aparentemente aceitáveis para aqueles que defendem a
terceirização irrestrita: a liderança em acidentes de trabalho no brasil
Para
o trabalhador é nefasto, pois além de ter um salário menor; está sujeito a
maiores jornadas de trabalho e acidentes de trabalho; perde paulatinamente a
especialização e passa a ser refém de uma dominação de mercado.
Para
os Sindicatos as nuvens negras também estão carregadas, pois a terceirização
irrestrita determinará o comprometimento da atuação de defesa, pois, por
exemplo, no piso de uma fábrica poderão existir dezenas de categorias,
pertencentes a sindicatos diferentes, ocorrendo de fato a fragmentação da
organização sindical. O efeito imediato é o da perda de consciência de classe e
com isso o movimento reivindicatório.
As
decisões que vêm sendo tomadas pelo Supremo implicarão na destruição das
garantias trabalhistas e não na melhora da economia e muito menos os níveis de
emprego. O futuro é trágico para a classe trabalhadora e para o país.
A
solução é uma intensa mobilização contra essa insensata tendência, que não
poderá se dar de forma distinta do que com a unidade da classe trabalhadora,
com novos formatos e estruturas não burocratizadas. Batalha a ser trava nas
ruas e nos tribunais.
Quando
esse sono letárgico passar, poderá ser tarde demais e o apocalipse ter se
consolidado.
Porém,
se tudo o que temos foi construído pelas mãos de homens e mulheres, tudo pode
ser modificado por essas próprias mãos, que nunca foram invisíveis ou
descartáveis, apesar que os digam diariamente o contrário.