Decisões do STF ignoram TST como órgão de cúpula em
matéria trabalhista
Wagner Luís Verquietini*
Recentemente, o Tribunal Superior do Trabalho (TST)
comemorou seu reconhecimento como Órgão do Poder Judiciário com a aprovação da
EC 92/2016.
Segundo o seu Presidente, Ives Gandra Martins
Filho, “o novo texto é de fundamental importância ao reconhecer a Reclamação de
Competência, instrumento para a preservação da competência e da jurisprudência
do TST. Ele lembrou que tanto o Supremo Tribunal Federal (STF) quanto o Superior
Tribunal de Justiça (STJ) já possuem este instrumento, que democratiza o acesso
às decisões dos tribunais superiores. O dispositivo estabelece que o TST pode
fazer valer a sua decisão caso outras instâncias decidam de forma diferente da
sua”([1][1]).
Porém, com a assunção ao poder do presidente da república
– Michel Temer, o modelo capitalista “neoliberal” voltou ao cenário nacional
com força máxima.
O momento histórico oportuniza a concretização das
propostas da Confederação Nacional da Indústria (CNI), que historicamente chama
a legislação trabalhista e as decisões do TST de irracionais ([2][2]).
Para o mercado, a reforma trabalhista é fundamental.
A “desregulamentação” das leis de proteção ao trabalho constitui um
“imperativo” econômico basal, invocado em nome da competitividade, da
produtividade, da formalização do mercado de trabalho e do combate ao
desemprego, fala reproduzida no discurso de posse do atual governo.
Contudo, promover ampla e profunda reforma
trabalhista nesses moldes causaria enorme desgaste aos agentes políticos, preço
que não querem pagar, vez que em jogo a hegemonia conquistada com o
“impeachment” da presidenta Dilma Rousseff.
Não se sabe se há um acordo silencioso entre os
Poderes ou se o Executivo percebeu que o Judiciário, por meio do STF, poderia
avocar a desregulamentação trabalhista sem causar os prejuízos políticos
temidos pelo Planalto.
Nesse sentido, em entrevista em 5 de outubro do presidente
Michel Temer à rede Bandeirantes, ele diz textualmente (3’31”):
"Interessante
como o próprio Judiciário já está começando a fazer uma reforma trabalhista.
Tanto que, logo depois do teto, nós vamos
para a reforma da Previdência, com aquelas significações que eu acabei de
mencionar. E, ao mesmo tempo, levar adiante o que remanescer, ainda, da reforma
trabalhista. Porque se num dado momento, os tribunais superiores, interpretando
a Constituição Federal e a CLT, fizer, por conta própria (risos), uma reforma
trabalhista, nós não precisamos levar adiante."
Certo é que a reforma por meio da desconstrução
interpretativa da Constituição por “iniciativa” do STF se mostra aos olhos de
todos de uma maneira contundente e avassaladora a partir da tomada do Poder.
Essa marcha não respeita a Justiça do Trabalho e o
TST como órgão de cúpula em matéria trabalhista.
Um exemplo é o RE 895.759, onde se discutia se é
possível reduzir horas “in itinere” através de norma coletiva (negociado sobre
o legislado). O ministro Teori Zavascki, em três meses, monocarpicamente
subverteu nove anos de tramitação perante a Justiça do Trabalho. Ele
desconstruiu toda a compreensão jurídica que havia sido formada na esfera
trabalhista ([3][3]).
Outro caso foi a decisão do ministro Dias Toffoli
nos autos da Reclamação 24.597 apresentada pelo Hospital das Clínicas da
Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto. Nesse processo o STF ignorou
por completo o TST, vez que revogou uma sentença do TRT de Campinas, sem nem
mesmo recorrer ao TST. Como disse Jorge Luiz Souto Maior “passou por cima do
TST” ([4][4]).
De outro lado, o ministro Dias Toffoli fez letra
morta da Constituição ao julgar que os funcionários da saúde não têm direito à
greve.
Por fim, outra questão demonstra que o TST é, em
verdade, um ser figurativo, como toda a Justiça do Trabalho passou a ser após a
nova ofensiva “neoliberal”, apesar de constar da Constituição como órgão de
cúpula do Poder Judiciário.
Trata-se da ADPF n.º 323, onde o ministro Gilmar
Mendes, em atenção ao pedido da Confederação Nacional dos Estabelecimentos de
Ensino (Confenen), ignorou e enfrentou o TST, antes mesmo do próprio TST, em
matéria relativa à ultratividade de normas coletivas e suspendeu os efeitos da
Súmula 277 e de todos os processos que versem sobre a matéria.
Pior é que as decisões chegam a ser contraditórias,
pois enquanto Teori Zavascki dá validade ao negociado frente ao legislado,
Gilmar Mendes diz que o negociado tem prazo de validade fixo, ou seja, se a
parte se recusar a negociar e não tiver comum acordo para instauração de
dissídio coletivo, somente resta a alternativa da greve, mas como disse Dias
Toffoli, a greve está proibida.
Uma coisa é certa, todas as recentes decisões do
STF em matéria trabalhista mitigam o Direito do Trabalho e retiram a proteção
do trabalhador.
Vale ressaltar que é bastante preocupante a postura
adotada pelo STF, a total inércia do TST e também da comunidade jurídica
trabalhista.
É um momento histórico que precisa de resistência.
Não é possível se assistir a desconstrução do Direito do Trabalho de forma tão
passiva, sem enfrentamento, vez que a finalidade deste é assegurar o mínimo de
dignidade ao trabalhador e foi construído com muita luta.
*È especialista em Direito do Trabalho do Bonilha Advogados