Ministra Delaíde Arantes fala sobre direitos dos trabalhadores domésticos
A ministra Delaíde
Miranda Arantes conhece de perto a realidade do trabalho doméstico. Depois de
ter trabalhado nessa condição como meio de ter acesso ao estudo, especializou-se
em Direito do Trabalho, foi conselheira do Conselho Estadual da Mulher do Estado
de Goiás e é autora do livro "O Trabalho Doméstico – Direitos e Deveres". Na
entrevista, ela fala dos diversos aspectos dessa modalidade de
trabalho.
Por que o
trabalho doméstico não foi contemplado pela CLT, tendo em vista o grande
contingente desse tipo de trabalhador no Brasil (segundo o IBGE, cerca de sete
milhões)?
Ministra Delaíde -
A CLT foi concebida em 1943, apenas 55 anos depois do fim da escravidão –
portanto, numa época em que o trabalho doméstico estava impregnado das memórias
do trabalho escravo. Os operários urbanos, sobretudo os das grandes fábricas,
foram os grandes responsáveis pela conquista da maioria dos direitos
trabalhistas, fruto da organização sindical, das greves e dos movimentos sociais
intensos daquele período. Somente decorridos 29 anos, em 1972, a Lei 5.589/72
estabeleceu alguns direitos aos trabalhadores domésticos.
Por isso a CLT
também excluiu outras categorias, como os trabalhadores rurais e os avulsos,
dicotomia superada pela Constituição de 1988. Entretanto, os domésticos foram os
únicos a manter a condição de discriminação até os dias de hoje, mesmo compondo
a categoria profissional mais numerosa do país. Um dos fatores responsáveis por
essa desigualdade é a permanência de resquícios escravagistas no tratamento
dispensado ao trabalhador doméstico.
A falta de
organização da categoria profissional também contribui para esse fenômeno, assim
como o paradoxo gerado pelo fato de o profissional doméstico ser remunerado por
outro trabalhador assalariado, muitas vezes vítima de baixos salários e do
desemprego. São particularidades que constituem obstáculos à consolidação da
igualdade de direitos, que, felizmente, hoje, está próxima de ser alcançada. A
permanência dessa categoria profissional como subclasse trabalhadora é
inadmissível diante dos avanços políticos, sociais e econômicos do
país.
A aprovação
em segundo turno da PEC-478/2010, que amplia direitos dos trabalhadores
domésticos, pela Câmara dos Deputados e, no dia 19/3. em primeiro turno pelo
Senado Federal, tem alguma relação com a Convenção nº 189 da OIT, que tem como
foco as condições de trabalho e de vida de milhões de empregados
domésticos?
Ministra Delaíde -
Sim. Existem mais de 53 milhões de trabalhadores no mundo atuando sem as
condições mínimas de proteção legal. Na América Latina há mais de 14 milhões e,
no Brasil, 7,2 milhões de trabalhadores nessa situação. A aprovação da Convenção
189 da OIT indica o desejo da sociedade de banir a desigualdade de tratamento e
assegurar dignidade aos milhões de empregados domésticos de todo o
mundo.
Na 100ª Conferência
da OIT, em 2011, tive a honra de participar da delegação brasileira e, na
ocasião, apresentei depoimento pessoal, como ex-trabalhadora doméstica, que foi
muito bem recebido. O Brasil ainda não ratificou a convenção, que está em
processo de envio, pelo Ministério do Trabalho, à presidenta da República.
Certamente a divulgação da sua aprovação pelos meios de comunicação influenciou
a sociedade e trouxe expressivo impacto sobre os próprios trabalhadores,
empregadores
e Poder Legislativo. O reflexo desse debate nacional ajudou a acelerar a tramitação da PEC 478/10.
e Poder Legislativo. O reflexo desse debate nacional ajudou a acelerar a tramitação da PEC 478/10.
A PEC
garante aos empregados domésticos direito à jornada de trabalho de 44 horas
semanais, hora extra, adicional noturno, FGTS e seguro desemprego, entre outros.
Qual a sua opinião sobre a extensão desses direitos à
categoria?
Ministra Delaíde -
São direitos de todos os trabalhadores urbanos e rurais, e esta restrição,
imposta por mais de 20 anos pela Constituição, não faz sentido. São os
trabalhadores domésticos que, dentro das nossas casas, cuidam dos nossos filhos
e netos, da nossa alimentação, e possibilitam a todos os que trabalham fora
condições para se desenvolverem profissionalmente, dando sustentação a toda a
família. A importância desses trabalhadores foi finalmente reconhecida. Sem
dúvida haverá um momento de adaptação dos empregadores a esses novos direitos,
mas os impactos sociais serão muito positivos.
Quando por ocasião
da promulgação da Constituição de 1988, setores da sociedade disseram que a
economia não resistiria aos efeitos causados pelos direitos sociais
conquistados, o que não se mostrou verdadeiro. Com melhores condições
econômicas, esses trabalhadores poderão desenvolver suas capacidades e buscar
novas ocupações no mercado de trabalho, além de investir na educação de
seus filhos, proporcionado mais qualidade de vida para as futuras
gerações.
A forma como esses
novos direitos serão exercidos poderá depender de normas específicas, que
observem a realidade do trabalhador doméstico, mas a extensão dos direitos
trabalhistas constitucionais a todos os brasileiros trabalhadores já significou
um grande passo rumo à igualdade.
Em recente
julgamento, a Quarta Turma proveu recurso de uma faxineira que trabalhava três
dias por semana numa clínica de ortopedia e reconheceu o vínculo de emprego. Mas
em outro processo, a Sétima Turma negou o reconhecimento de vínculo a um
jardineiro que trabalhava duas ou três manhãs por semana numa residência. O TST
já possui uma posição fechada sobre o vínculo de emprego de
diarista?
Ministra Delaíde -
No momento não há súmula ou orientação jurisprudencial sobre o tema no âmbito do
TST. Isso significa que os ministros ainda estão construindo a jurisprudência, e
não há um posicionamento majoritário. Todos têm independência para julgar cada
caso concreto de acordo com sua peculiaridade.
Pessoalmente,
considero que o que determina o vínculo de emprego não é o número de dias
trabalhados, mas um conjunto de fatores que inclui o nível de subordinação, o
padrão remuneratório, a liberdade de alteração dos termos combinados, a
habitualidade e a continuidade. Por isso, a construção de um entendimento
dominante que dê origem a uma súmula ou OJ não é uma tarefa simples.
Não seria
mais fácil inserir um artigo na CLT para esses trabalhadores, estendendo-lhes os
direitos ali previstos para outras categorias, ao invés de uma emenda
constitucional?
Ministra Delaíde -
O artigo 22 da Constituição Federal estabelece a competência privativa da União
para legislar sobre matéria trabalhista, e o Congresso Nacional tem plena
autonomia para decidir como regulamentar essa matéria. A forma de estabelecer
uma legislação não é o essencial, o importante é dar efetividade aos direitos
adquiridos. A necessidade de regulamentação do trabalho doméstico decorre de
existência de detalhes dessa categoria que precisam ficar explicitados, como,
por exemplo, o cômputo da hora extraordinária de trabalho, que é facilmente
auferida em empresas privadas com muitos empregados, mas implica um exercício de
confiança para o empregador doméstico. Entretanto, todos os obstáculos
apresentados para a regulamentação deverão ser superados em nome da igualdade de
direitos.
O Projeto
de Lei nº 7.279/2010, de autoria da senadora Serys Slhessarenko, que se encontra
na CCJ da Câmara dos Deputados, define diarista como o trabalhador que presta
serviços no máximo duas vezes por semana para o mesmo contratante, recebendo o
pagamento no mesmo dia, sem vínculo empregatício. Mas a deputada Sandra Rosado
(PSB-PE) propôs emenda modificando o número de dias para no máximo um, ou seja,
mais de um dia configuraria vínculo empregatício. Qual o seu entendimento sobre
a matéria?
Ministra Delaíde -
A diferenciação entre o empregado doméstico e o diarista, trabalhador eventual,
prestador de serviços, se dá de maneira sutil. A linha divisória entre o
trabalho subordinado e o autônomo está na identificação dos elementos de
subordinação jurídica e econômica, continuidade e permanência do trabalho. Se um
diarista presta serviço para a mesma residência ou pessoa por anos, em dias
determinados da semana, sem liberdade de realizar serviços de sua conveniência
em outras localidades e para fazer serviços domésticos, presentes se fazem
os elementos da continuidade e permanência.
Por outro lado, o
diarista que presta eventualmente o mesmo trabalho, por curto ou longo espaço de
tempo, mas sem dia determinado na semana ou mês, tendo liberdade de contratar
outros trabalhos de sua exclusiva conveniência, seja babá, faxineira,
passadeira, não tem vinculo de emprego pela ausência dos elementos
tipificadores. Acredito que estabelecer um número de dias como único componente
para determinar a característica do trabalho como eventual ou contínuo não é o
melhor critério, mas a soma dos elementos que compõem a relação de trabalho vai
demonstrar a sua natureza, quando analisados os casos concretos.
(Lourdes
Cortes/CF
Veja entrevista da
ministra Delaíde Arantes para a TV TST:
Ouça a entrevista
da ministra Delaíde para a Rádio TST:
Esta matéria tem caráter
informativo, sem cunho oficial.
Permitida a reprodução mediante citação da fonte.
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