Pesquisar este blog

terça-feira, 18 de abril de 2017

PL 6.787/2016



A Reforma trabalhista vai acentuar mais as desigualdades sociais e dizimar o Direito do Trabalho
(*) Por Renato Novaes Santiago e Wagner Luiz Verquietini
Com a promessa de modernização da legislação laboral para geração de novos empregos, favorecer as médias e pequenas empresas, melhoria da competitividade do Brasil frente ao mercado mundial e construir a sociedade dos homens livres, o PL 6.787/2016, também chamando de Reforma Trabalhista, tem potencial de colocar a classe que vive do trabalho definitivamente em posição crítica frente ao empresariado.
O Relator do Projeto de Lei – Deputado Rogério Marinho (PSDB-RN), ao apresentar seu parecer, afirma em diversas passagens que a reforma não tem o objetivo de favorecer as empresas em detrimento dos direitos sociais. Então como explicar que todas as propostas de mudanças na legislação laboral estão contidas no documento denominado: “Agenda Legislativa da Indústria 2017 Projetos da Pauta Mínima”[1]?
As propostas contidas no PL 6.787/2016 são nefastas para os trabalhadores sob todos os aspectos, mas então como convencer as camadas sociais que vivem apenas da venda de sua mercadoria trabalho, uma vez que o objetivo implícito é apenas de extrair ainda mais lucro para as grandes empresas?
A resposta é muito simples: colocando a culpa no Direito do Trabalho. A função é demonizar o substrato trabalhista, responsabilizá-lo mais uma vez pela crise, pela falta de empregos, pela informalidade, pela baixa competitividade da empresa nacional. Esse discurso inclusive é recorrente na história do Brasil e vem desde a Lei Aurea, quando os escravocratas afirmavam que a abolição dos escravos levaria o País à falência.
Usando uma metáfora: a reforma trabalhista proposta é a revogação da Lei Aurea, é a instituição de uma nova forma de escravidão. A liberdade imaginada pelas oligarquias é para a empresa e não para os trabalhadores. O Estado somente deve intervir nas relações trabalho e capital para favorecer este.
Em suma, a reforma trabalhista acentuará ainda mais as desigualdades sociais existentes e trará de volta para o pântano os que ascenderam recentemente, em nada melhorará para a pequena e média empresa, as quais serão as primeiras a ser atingidas pela míngua da classe trabalhadora.
O primeiro argumento sempre usado é de que as CLT é velha e que as normas trabalhistas são anacrônicas para um mercado muito diferente do meados do Século XX quando a legislação trabalhista pré-existente foi Consolidada.
Se isso de fato é uma verdade; se hoje com o mesmo tempo de trabalho é possível se produzir uma quantidade infinitamente superior que há 70 anos, a lógica da mudança da legislação não deveria ser outra? Ou seja, a jornada de trabalho poderia ser de 2 horas diárias, com um salário quatro vezes maior, mas a reforma para “modernizar” a legislação trabalhista propõe a instituição indiscriminada de jornadas de 12 horas diárias, ou seja, uma volta ao início da era industrial.
Os principais pontos da reforma trabalhista são:
a)      Liberdade na contratação e ausência de formalismos na rescisão;
Uma gama quase infindável de possibilidades: que vão desde o trabalho em domicilio; tele trabalho; contratos por tempo parciais (até 32 horas por semana); intermitentes, também chamados de “zero hora” (são aqueles que o empregado fica vinculado à empresa, mas somente recebe quando efetivamente trabalhar; passando pela ampliação do conceito de terceirização trabalhista, ou seja, modificação da recém-criada Lei 13.429/2017.
Em verdade, os contratos de trabalho que conhecemos seriam a exceção e a regra seria a forma liberal de contratação de mão-de-obra.
A rescisão dispensaria o crivo sindical e a homologação teria eficácia liberatória para as parcelas discriminadas. E para afastar o lesado da Justiça do Trabalho, que segundo os segmentos empresariais é paternalista, institui a possibilidade de arbitragem também para os dissídios individuais.
b)      Flexibilização das jornadas de trabalho, formas de não pagamento de horas extras e possibilidade de redução do intervalo;
Como o legislador reformista tenta convencer que o trabalhador de hoje não precisa mais da tutela do Estado e é totalmente livre para negociar seu contrato, a jornada de trabalho poderia ser flexibilizada para atender melhor as demandas de produção, instituindo, inclusive, por acordos individuais, sem a comprovação de extraordinariedade, o regime diário de 12 horas, desde que respeitado o limite constitucional de 44 horas semanais.
Outro ponto bastante perseguido é a de que o trabalhador somente receberia pelas horas efetivamente trabalhadas, não mais como é hoje, em que se poderia receber quando está à disposição do empregador aguardando ordens. Assim, acabam as horas “in itinere” ou aquele tempo que o empregado gasta do portão da empresa até o local de assinalar o ponto.
Há ainda, diversos mecanismos para que a empresa use do trabalho extraordinário sem a necessidade de pagar horas extras, como a ampliação das possibilidades de bancos de horas e formas de prorrogação e compensação de jornadas.
Até o salutar e sagrado intervalo mínimo destinado a alimentação e descanso poderia ser negociado entre empregados e empregadores, em clara ofensa aos ditames de medicina, segurança e higiene do trabalho.
c)      Institui a prevalência do negociado sobre o legislado para condições abaixo das mínimas previstas em lei;
Sem dúvida alguma a prevalência do negociado sobre o legislado é a proposta mais nefasta e perniciosa para os trabalhadores, pois em um ambiente de profunda fragilidade dos entes sindicais, inclusive com a possibilidade da perda de sua maior fonte de receitas pela reforma trabalhista, o trabalhador estaria totalmente desamparado e a mercê das mais espúrias investidas.
A compreensão que temos do Direito do Trabalho como: conjunto de princípios, regras e instituições tem como fundamento a proteção do trabalhador e a melhoria de sua condição social[2], seria totalmente dizimado, pois na construção da norma individual para as partes, variariam de trabalhador para trabalhador, de empresa para empresa, de cidade para cidade etc.
A título de exemplo de negociado sobre o legislado podemos citar o 13º salário que ao ser pago em 12 parcelas mensais deixaria ser um algo a mais para o trabalhador para se tornar parte efetiva dos salários e com o tempo ser absorvido por este.
A prevalência do negociado sobre o legislado é tão amplo que em verdade é uma carta branca para a instituição de regras trabalhistas no âmbito da empresa.
 d) enfraquecimento do poder sindical;
As diversas mudanças empreendidas têm a capacidade de decretar a míngua do poder sindical.
A terceirização trabalhista irrestrita e o contrato intermitente, por exemplo, levam à fragmentação da classe trabalhadora e à dificuldade de formação de consciência de classe. Sem objetivos comuns os trabalhadores nem mesmo vão conseguir se articular para discussão de pautas para a melhora de sua condição.
Contradições e inconsistências transbordam no discurso do presente projeto de lei. Argumenta-se que a prevalência do negociado sobre o legislado trará uma maior autonomia e poderio ao movimento sindical, e, ao mesmo tempo, busca romper com sua principal fonte de renda, o chamado “imposto sindical”. A que pese o longínquo debate acerca do imposto, contestado até mesmo por aqueles que defendem a liberdade sindical, fato é que a imposição de cortes econômicos sem a devida cautela, trará uma asfixia de todo o sistema sindical.
A mensagem passada pelo legislador, em nosso entendimento, é a seguinte: “o sindicato, enquanto representante do trabalhador, poderá negociar tudo aquilo que as normas constitucionais não proíbam, para o bem ou para o mal. Para evitar que essa negociação traga bons frutos para categorias organizadas, diminuir-se-ão totalmente o seu poderio econômico, dificultando o poder de barganha”[3];
Rompe-se ainda com avanços jurisprudenciais importantes na seara do direito coletivo, uma vez que traz em seu projeto a inaplicabilidade da ultratividade das normas coletivas e a desnecessidade da existência de contrapartidas como requisito de validade formal do acordo ou convenção coletiva.
 Conclusão
Vivemos no mundo marcado por uma enorme quantidade de mercadorias. Todos os nossos atos diários permeiam essa lógica: do simples andar de ônibus à compra do café pingado. Com o homem não é diferente, somos imersos nesse mundo, e neles somos a mercadoria mais importante de todas.
De acordo com toda a lógica de “modernização” proposta no projeto de lei, à essa mercadoria humana também caberia uma mudança de tratamento. Passaria por conceitos bastante fluidos, do empregado para o prestador de serviço, do trabalhador para o colaborador, forma deveras antigas com uma roupagem nova.
Esta é a oportunidade do empresariado brasileiro passar a reforma trabalhista dos seus sonhos, reduzindo custos, diminuindo postos de trabalho efetivos e enfraquecendo o poder de barganha de sua categoria antagônica. Essa é a modernização da mercadoria trabalho, da mercadoria humana: ser cada vez mais barata, ser cada vez mais indefinida, ser cada vez menos humana.
A legislação trabalhista não pode pagar a conta pela crise estrutural que assola o país. Direitos não são meras linhas apócrifas, sua autoria, no caso do Direito do Trabalho, é legitimamente assumida por aqueles que dela se valem como escudo.
Nunca na breve história deste país ficou tão claro a quem representam os membros de nossa dita democracia participativa. Com um distanciamento brutal de tudo aqui que é real ou palpável, cumprem as agendas já amareladas pelo tempo, as cartilhas debilmente traduzidas de nossos pretensos credores internacionais e que aqui ditam regras, para fazer crer que o remédio amargo é aquele que cura mais rápido.
A esperança resiste em um simples fato: tudo que temos até hoje foi construído pelas mãos de homens e mulheres, todas as nossas conquistas e direitos foram assim construídas, nunca neste país existiu qualquer tipo de outorga ou benevolência, e se é dessa forma que nosso direito trabalhista foi constituído, é dessa forma que esses homens e mulheres irão reagir para reafirmá-lo. O que nos resta de humanidade sempre prevalecerá diante de tudo que buscam nos impor.
Por SANTIAGO, Renato Novaes, Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Alagoas, Especializando em Direito Material e Processual do Trabalho pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo; e VERQUIETINI,  Wagner Luiz, Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito de Araçatuba, SP – Instituição Toledo de Ensino, Pós-graduado “lato sensu” – Instituição Toledo de Ensino – Bauru – SP, em Direito Material e Processual do Trabalho e Especializando em Direito Material e Processual do Trabalho pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, advogados no escritório Bonilha Advogados.


[2] MAGANO, Octavio Bueno. Direito do Trabalho e Direito Econômico, Revista LTr, 39/732.
[3] O uso da mesóclise é aqui intencional.

REFORMA TRABALHISTA

PROCURADORIA-GERAL DO TRABALHO
Gabinete do Procurador-Geral do Trabalho
NOTA TÉCNICA Nº 05, DE 19 DE ABRIL DE 2017, DA SECRETARIA DE RELAÇÕES INSTITUCIONAIS DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO (MPT)
Proposição: SUBSTITUTIVO AO PROJETO DE LEI Nº 6.787/2016.
Ementa: Altera a Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, aprovada pelo Decreto-lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943; a Lei nº 6.019, de 3 de janeiro de 1974; a Lei nº 8.036, de 11 de maio de 1990; a Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991; e a Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, a fim de adequar a legislação às novas relações de trabalho.
Autor: Deputado Rogério Marinho, Relator.
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO (MPT), no exercício das atribuições constitucionais de defesa da ordem jurídica justa, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, bem como de promoção da dignidade da pessoa humana, da valorização social do trabalho e da justiça social, apresenta esta Nota Técnica, produzida e aprovada pelo Grupo de Trabalho instituído pela Portaria PGT nº 2, de 9 de janeiro de 2017, para expor seu posicionamento acerca do substitutivo ao Projeto de Lei (PL) nº 6.787/2016, de autoria do Deputado Rogério Marinho, com a finalidade de apontar violações à ordem constitucional, demonstrar o profundo prejuízo ao equilíbrio da relação capital-trabalho, bem como a facilitação das fraudes trabalhistas e da corrupção nas relações coletivas de trabalho, e o aprofundamento da insegurança jurídica.
1. Sobre o déficit democrático pela ausência de debate da proposta com a sociedade.
O substitutivo apresentado pelo Exmo. Sr. Relator do Projeto na Comissão Especial amplia imensamente a proposta inicial do Poder Executivo, passando a abordar inúmeras matérias que não constavam do texto, com impactos nas mais variadas áreas das relações de trabalho, desde o acesso à justiça, formas de contratação e rescisão, organização sindical, negociação coletiva, jornada de
trabalho, inserção de pessoas com deficiência e aprendizes no mercado de trabalho e tantos outros temas, que, segundo anunciado, modificam mais de 100 pontos da CLT.
Naturalmente, a legitimidade de uma reforma de tal amplitude está vinculada a um amplo debate prévio com a sociedade e, especialmente, com as categorias atingidas, o que não se acontece neste momento. A reverso, há notícias de tramitação da proposta com incomum celeridade, não permitindo que a população sequer compreenda todas as repercussões que serão geradas nas relações de trabalho. A proposta contida no substitutivo em nenhum momento foi submetida a debate, seja no Parlamento, seja com a sociedade.
Com efeito, promover uma ampla reforma da legislação trabalhista, construída e continuamente alterada durante mais de 70 anos, sem permitir a completa compreensão e a participação popular, implica déficit democrático que compromete a legitimidade da nova legislação, em muitos pontos claramente prejudicial aos trabalhadores.
Ademais, é importante destacar que, não obstante as diversas audiências públicas realizadas, tanto na Câmara dos Deputados, como nos Estados da Federação, percebe-se, de forma clara, que as inúmeras ponderações feitas por parcela considerável dos atores sociais do mundo do trabalho não foram ao menos levadas em consideração, tendo em vista que o substitutivo divulgado pelo Deputado Rogério Marinho não buscou os pontos de consenso ou possíveis de aproximação, externados pelos participantes desses eventos. Ao reverso, optou por apresentar novas propostas, sequer debatidas, que somente avançam no atendimento das demandas de um setor da relação de trabalho – no caso específico, os empregadores – desequilibrando esta delicada interação, em prejuízo da paz social e do próprio desenvolvimento econômico-social.
Cumpre também destacar que nenhuma das várias colocações feitas por diversos atores sociais – dentre eles, os membros do Ministério Público do Trabalho – nas audiências públicas a respeito dos problemas contidos no PL 6787/2016 sequer foram ressalvadas no relatório apresentado pelo relator do projeto.
A promoção de consultas a toda a sociedade em matérias legislativas referentes ao mundo do trabalho – que além de ser um pressuposto do Estado Democrático de Direito, expresso nos arts. 1o e 3o da Constituição Federal, é um compromisso internacional assumido pelo Brasil, nos termos da Convenção n. 144 da
OIT, ratificada pelo Brasil em 1994 – é relevante para que as leis reguladoras do mercado de trabalho sejam fruto de amplo diálogo social, realizado de maneira concreta, e não meramente formal.
No entanto, tal mandamento normativo, expressamente constante da Convenção n. 144 da OIT, ratificada pelo Brasil em 1994, foi desprezado, imputando vício na própria tramitação da proposta.
Realmente, a aprovação de medidas que alteram substancialmente a legislação trabalhista sem que outras perspectivas sejam materialmente consideradas, em nada contribui para a construção de um ambiente de pacificação social no país. Nesse sentido, é importante recordar do preâmbulo da Constituição da OIT, quando afirma que “a paz para ser universal e duradoura deve assentar sobre a justiça social”.
2. Sobre a Terceirização sem limites e o desvirtuamento do trabalho autônomo.
O substitutivo tem o inequívoco propósito de liberar a terceirização de forma ilimitada, inclusive nas atividades finalísticas da empresa.
Conforme já se apontou na Nota Técnica nº 04, de 23.01.2017, ao permitir a transferência das atividades inerentes à empresa, de forma ampla e permanente, a proposta subverte a própria finalidade conceitual da terceirização oferecida pela Ciência da Administração, que reside na subcontratação de atividades acessórias para permitir a priorização da empresa em sua atividade principal. Com isso, desvirtua-se a figura da terceirização, que passa a ser utilizada como mera locação de mão de obra, acarretando precarização do emprego, redução e sonegação de direitos trabalhistas e fiscais.
Ademais, a terceirização da atividade-fim é inconstitucional, pois a norma do artigo 7º, I, da CF/88 pressupõe a relação direta entre o trabalhador e o tomador dos seus serviços, que se apropria do fruto do trabalho. A terceirização da atividade-fim caracteriza intermediação ou locação de mão de obra, a partir da interposição de terceiro entre os sujeitos da prestação de trabalho, reduzindo o trabalhador à condição de objeto, de coisa. E isto – a coisificação do ser humano -
ofende, frontalmente, os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e do valor social do trabalho.
Além disso, a proposta pretende criar a figura do autônomo que presta serviços contínuos e com exclusividade para uma empresa (art. 442-B), instrumentalizando e incentivando a fraude à relação de emprego pelo desvirtuamento do trabalho autônomo, com severos prejuízos aos trabalhadores, que serão excluídos de todo o sistema de proteção trabalhista, e à Previdência Social, em razão da ausência de recolhimento das contribuições devidas.
As medidas supostamente compensatórias à terceirização, constantes da proposta, revelam-se meramente ilusórias, pois limitam-se ao uso de refeitório e atendimento em ambulatório mantidos pela empresa contratante, situações raras, encontradas em um número insignificante de estabelecimentos. A norma não assegura a extensão do fornecimento de vales refeição ou o seu equivalente em dinheiro, bem como o fornecimento de plano de saúde – formas atualmente utilizadas para a concessão de benefícios indiretos pela imensa maioria das empresas.
Por outro lado, a restrição para recontratação dos empregados dispensados, por um período de 18 meses (art. 5-C da Lei 6019/74), refere-se apenas à “pejotização” e, logicamente, não impede que a empresa dispense seus empregados e os substitua por outros, contratados como pessoa jurídica, ou, ainda, que o mesmo empregado dispensado volte imediatamente a trabalhar, registrado por uma empresa terceirizada, com salário inferior e menos benefícios indiretos, em outra tomadora.
Acresce que a alteração promovida no texto do artigo 461 da CLT possui o inequívoco propósito de impedir ou dificultar a isonomia de direitos entre os empregados diretos e os contratados por interposta pessoa, tornando ainda mais claro o intuito precarizante da terceirização sem limites.
3. Sobre a prevalência do negociado sobre o legislado e enfraquecimento da representação sindical.
Os problemas do modelo de organização sindical adotado em nosso país são de todos conhecidos – e já foram expostos pelo Ministério Público do Trabalho na Nota Técnica n. 2 -, estando claro que seria necessário estabelecer uma discussão
prévia sobre sua alteração e adequação aos padrões recomendados pela OIT, em especial a partir da ratificação da Convenção n. 87 dessa Organização
No entanto, o substitutivo apresentado propõe-se a alterar apenas um dos aspectos do sistema sindical, que é a contribuição sindical, obrigatoriamente devida por todos os trabalhadores e empregadores. Não há qualquer proposta para a extinção do monopólio de representação, que impede trabalhadores e empregadores de optarem livremente pela entidade que os representa, ou da arcaica noção de “categoria”, que amarra os atores do mundo do trabalho em conceitos artificiais de agregação impostos pela legislação.
Ademais, o substitutivo avança na proposta inicial e permite que ocorra a prevalência do negociado sobre o legislado, inclusive para o rebaixamento dos patamares legais e indisponíveis de proteção em relação a toda e qualquer matéria, com exceção dos temas elencados no art. 611-B da CLT, proposto no substitutivo, os quais que praticamente reproduzem os incisos do art. 7o da Constituição Federal. O art. 611-A passa a ser exemplificativo, portanto.
Vale dizer: o substitutivo admite que a negociação coletiva, instrumento concebido para promover a pacificação coletiva das relações de trabalho e a melhoria das condições de trabalho, seja utilizado para o rebaixamento ou supressão de diversos direitos trabalhistas.
Dentre os pontos elencados como inviáveis de se fixar por meio de negociação coletiva está a “liberdade de associação profissional ou sindical do trabalhador, inclusive o direito de não sofrer, sem sua expressa e prévia anuência, qualquer cobrança ou desconto salarial estabelecidos em convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho” (art. 611-B, XXVI). Percebe-se de forma cristalina que se faz referência à contribuição assistencial, normalmente criada pelas entidades sindicais em acordos ou convenções coletivas para o financiamento das atividades sindicais no curso das negociações coletivas.
Todavia, conforme se apontou na Nota Técnica n. 2, não é possível falar em liberdade sindical no Brasil – ao menos nos moldes preconizados pela OIT, conforme a própria Organização aponta no verbete 314 do Comitê de Liberdade Sindical – o que torna inócua a primeira parte do inciso XXVI do art. 611-B do texto do substitutivo.
Em segundo lugar, chama atenção a diferença de tratamento dispensada a trabalhadores e empregadores nesse ponto, tendo em vista que não há qualquer menção aos empresários nesse inciso.
Destaque-se, ainda, que, simultaneamente à extinção da obrigatoriedade da contribuição sindical sem qualquer fase de transição, veda-se que as entidades criem mecanismos de financiamento quando promovem atividades em benefício de todos os seus representados, independentemente destes serem filiados, ou não, ao sindicato. Afinal, os acordos e convenções coletivas de trabalho continuarão tendo efeito “erga omnes”, ou seja, serão aplicados para todos os representados pela entidade, sendo filiados ou não.
Portanto, a partir destes breves destaques, já se nota, claramente, os efeitos perniciosos da proposta contida no substitutivo: restringe-se de forma contundente o financiamento das entidades representantes de trabalhadores, o que invariavelmente levará ao seu enfraquecimento, e, simultaneamente, concede-se o poder a essas mesmas entidades para rebaixar os padrões trabalhistas de seus representados.
Assim, é dever do Ministério Público do Trabalho alertar para o já exposto em diversas outras oportunidades: a extinção da contribuição sindical deve ser acompanhada da apresentação de alternativas de financiamento às entidades sindicais, como a contribuição assistencial, figura completamente compatível com o modelo de liberdade sindical proposto pela OIT, conforme estabelecido no verbete n. 363 do Comitê de Liberdade Sindical: “convém distinguir as cláusulas de segurança sindical permitidas por lei e as impostas por lei, dado que apenas essas últimas são resultado de um sistema de monopólio sindical contrário aos princípios da liberdade sindical” .
A reforma sindical é urgente e mudanças no ordenamento jurídico em relação a essa matéria não comportam mais alterações pontuais, sob pena de se gerar mais distorções e de se piorar ainda mais o já controverso modelo de representação sindical vigente no país. Destarte, caso aprovado o substitutivo nos termos propostos, é o que inevitavelmente ocorrerá no Brasil.
Por fim, cabe tecer alguns comentários sobre a suposta valorização da negociação coletiva para se fixarem parâmetros sobre as condições de trabalho abaixo do piso legal.
Para além de todos os problemas já mencionados na Nota Técnica n. 2 – como a sua evidente inconstitucionalidade – e do enfraquecimento de um dos princípios basilares do direito do trabalho, que é o princípio da norma mais favorável, há flagrante violação das Convenções n. 98 e 154 da OIT.
“A OIT, no início do mês de fevereiro, divulgou o relatório do Comitê de Peritos da Comissão de Aplicação de Normas. O documento apresenta diversos comentários sobre o cumprimento das Convenções da OIT nos países-membros e é utilizado como base nas discussões realizadas na Conferência Internacional do Trabalho.
O Comitê de Peritos analisou a aplicação da Convenção n. 98 da OIT – que é uma das Convenções mais importantes da Organização - no Brasil e comentou a proposta de introduzir no ordenamento jurídico brasileiro a prevalência do negociado sobre o legislado para estabelecer condições abaixo das previstas em lei.
Os comentários não deixam dúvidas sobre o que significa a valorização da negociação coletiva, no âmbito das Convenções n. 98 e 154 da OIT, e dos efeitos negativos da Reforma Trabalhista.
De acordo com o relatório, ‘o Comitê lembra que o objetivo geral das Convenções n. 98, 151 e 154 é de promover a negociação coletiva sob a perspectiva de tratativas de condições de trabalho mais favoráveis que as fixadas em lei’, assim como ‘o Comitê enfatiza que a definição de negociação coletiva como um processo que pretende melhorar a proteção dos trabalhadores garantida em lei foi reconhecida nos trabalhos preparatórios para a Convenção n. 154.
Como consequência do negociado sobre o legislado, coloca que ‘do ponto de vista prático, o Comitê considera que a introdução de medida para permitir a redução do piso legal por meio de negociação coletiva possui o efeito de afastar o exercício da negociação coletiva e pode enfraquecer a sua legitimidade no longo prazo’.
Finalmente, o relatório aponta que medidas dessa natureza ‘seriam contrárias ao objetivo de promover negociação coletiva livre e voluntária, nos termos da Convenção’.
Desta forma, fica evidente que autorizar o rebaixamento de direitos por meio da negociação coletiva não fortalece as tratativas entre trabalhadores e empregadores. Muito pelo contrário, enfraquece e coloca em descrédito diante da
sociedade esse importante instrumento de pacificação dos conflitos coletivos de trabalho. Além disso, caso aprovada a Reforma Trabalhista, o Brasil poderá ser acionado perante o Comitê de Aplicação de Normas e o Comitê de Liberdade Sindical da OIT por desrespeitar as Convenções n. 98 e 154, expondo internacionalmente o país pela falta de compromisso em promover direitos trabalhistas fundamentais”1.
Cumpre ainda destacar contradições crassas presentes no substitutivo. A título de exemplo, aponta-se que, apesar de não permitir a prevalência do negociado sobre o legislado para reduzir ou suprimir direitos relacionados à segurança e saúde do trabalhador, admite que o enquadramento da insalubridade e que a prorrogação de jornada em ambientes insalubres, atividades eminentemente técnicas, sejam fixadas por meio de negociação coletiva.
Finalmente, dentre as inovações propostas no substitutivo em relação ao art. 611-A da CLT, cumpre ressaltar a inviabilidade da previsão de participação dos sindicatos como litisconsortes necessários em todos os processos em que discutida a nulidade de norma coletiva, pois, considerando o efeito “erga omnes” dos acordos e convenções coletivas, torna-se impraticável que as entidades tenham de participar de inúmeras ações individuais (611-A, § 5º), o que sem dúvidas irá causar embaraço ao desenvolvimento normal de suas atividades, bem como trará prejuízos à propalada segurança jurídica. Em relação à representação no local de trabalho, além de se reiterar todos os problemas já apontados na Nota Técnica n. 2 – e que foram em grande parte mantidos no substitutivo apresentado -, percebe-se que as atribuições conferidas aos representantes dos empregados não foram acompanhadas dos devidos direitos para o efetivo exercício de suas atividades, bem como se objetiva afastar essa figura das entidades sindicais, o que está em completa discordância com a Convenção n. 135 da OIT. Finalmente, o substitutivo propõe a alteração do art. 620 da CLT, subvertendo o princípio da norma mais favorável que informa e impera no Direito do Trabalho, ao estabelecer que as condições estabelecidas em acordo coletivo sempre prevalecerão sobre as estipuladas em convenção coletiva de trabalho.
1 KALIL, Renan Bernardi. A reforma trabalhista, o Brasil e a comunidade internacional. Disponível em: http://justificando.cartacapital.com.br/2017/02/23/reforma-trabalhista-o-brasil-e-comunidade-internacional/. Acesso em 15.04.2017.
A norma, como proposta, contraria a própria noção de valorização da negociação coletiva, na medida em que a negociação empreendida entre entidades sindicais de trabalhadores e de empregadores tem abrangência e amplitude maior do que aquela entabulada entre uma ou mais empresas e uma entidade sindical de trabalhadores. Ao final e ao cabo, além dos prejuízos aos próprios trabalhadores, haverá efeitos deletérios para as próprias empresas. Com efeito, ao se possibilitar que o acordo coletivo, com menos direitos e benefícios do que os estabelecidos em convenção coletiva, prevaleça, estar-se-á, inexoravelmente, fomentando a concorrência desleal entre as empresas que atuam na mesma atividade econômica, especialmente em um contexto de ampla terceirização de serviços. A norma viola o princípio da igualdade de oportunidade entre as empresas que eventualmente participem de um procedimento de licitação pública ou privada para contratação de serviços. Por tudo isto, a proposta é nociva para o equilíbrio das relações entes trabalhadores e empregadores, pois, de um lado, enfraquece as entidades sindicais e, de outro, permite que o produto das negociações coletivas dessas mesmas entidades reduzam ou suprimam direitos previstos em Lei.
4. Sobre a omissão em relação às condutas antissindicais
Como foi apontado na Nota Técnica n. 2, a estrutura sindical brasileira é fonte de diversos problemas que criam inúmeros entraves ao exercício da liberdade sindical em nosso país. Os exemplos de desvios mencionados na Nota Técnica n. 2 são consequências das distorções existentes no sistema sindical. Ademais, é importante destacar que a prática de crimes e fraudes não constitui a regra do movimento sindical brasileiro.
A liberdade sindical é uma liberdade complexa, envolvendo cinco dimensões: liberdade de associação, liberdade de organização, liberdade de administração, liberdade de exercício de funções e liberdade de filiação, desfiliação e não filiação. Trata-se de um direito fundamental e um direito humano, previsto em diversos tratados internacionais já ratificados pelo Brasil. Contudo, para que seja possível o seu pleno exercício, há necessidade de se estabelecer meios para garanti-lo.
Nesse sentido, o constrangimento à liberdade sindical constitui conduta antissindical. De acordo com Oscar Ermida Uriarte, atos antissindicais são aqueles que “prejudicam indevidamente um titular de direitos sindicais no exercício da atividade sindical ou por causa desta, ou aqueles atos mediante os quais lhe são negadas, injustificadamente, as facilidades ou prerrogativas necessárias ao normal desempenho da ação coletiva”2.
As condutas antissindicais são classificadas em atos de discriminação, atos de ingerência e práticas desleais. Os dois primeiros se relacionam com a tradição romano-germânica e estão descritos na Convenção n. 98 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada pelo Brasil. O combate aos atos de discriminação tem o objetivo de proteger os trabalhadores individualmente em face de condutas praticadas por empregadores e sindicatos. O combate aos atos de ingerência tem o intuito de proteger as entidades sindicais em face de intervenções de umas sobre as outras, direta ou indiretamente. As práticas desleais são oriundas da tradição anglo-saxã.
O Brasil, apesar de diversos compromissos internacionais assumidos, não possui uma legislação de combate às práticas antissindicais. Isso acaba por fragilizar o exercício da liberdade sindical e não oferece um ambiente propício ao livre desenvolvimento das negociações coletivas entre representantes dos trabalhadores e dos empregadores.
O cotidiano das relações coletivas de trabalho no Brasil aponta uma série de exemplos que demonstram as dificuldades para que as categorias econômicas e profissionais tenham condições de tratar das condições de trabalho entre si.
Como exemplo, podemos apontar: o ajuizamento de interditos proibitórios com o objetivo de cercear o exercício do direito de greve; a fixação judicial de elevadíssimos percentuais de força de trabalho ativa para a continuidade da prestação de serviços e atividades essenciais em paralisações de categorias que atuam nessas áreas (o que acaba por desestimular o comum acordo); a recusa em negociar coletivamente com a sua contraparte e, consequentemente, a ausência de concordância na suscitação de dissídios coletivos; o financiamento de entidades representantes de trabalhadores por entidades representantes de empregadores; ameaça e coação de trabalhadores em greve; o desestímulo a empregados se filiarem
2 URIARTE, Oscar Ermida. A proteção contra os atos anti-sindicais. São Paulo: LTr, 1989, p. 35.
à entidade sindical que os representa; confecção de lista de trabalhadores filiados à entidade sindical para que não sejam contratados pelas empresas; veiculação de propagandas em meios de comunicação com o objetivo de denegrir a imagem das entidades sindicais e de movimentos legítimos conduzidos por essas entidades; o estímulo a trabalhadores exercerem o direito de oposição à contribuição assistencial/negocial; entidades sindicais e patronais que simulam paralisação com o objetivo de elevar preços em concessões de serviços públicos; a dispensa de dirigentes sindicais com garantia de emprego; a restrição de representante dos trabalhadores às empresas e locais de trabalho, dentre outros.
Como se vê, os agentes das condutas antissindicais podem ser sindicatos, trabalhadores, empregadores ou o próprio Estado. E, os prejudicados, também podem ser trabalhadores, empregadores, sindicatos e o Estado.
Em que pese o Brasil ter ratificado a Convenção n. 98 da OIT em 1952, até o presente momento não foi editada qualquer lei com o objetivo de disciplinar o combate às práticas antissindicais no país, sendo que o referido tratado internacional é o principal instrumento normativo que apoia as pretensões que tem o objetivo de sancionar os atos antissindicais. Sem diminuir a importância da Convenção n. 98 da OIT – que inclusive é considerada pela Organização Internacional do Trabalho como uma de suas convenções fundamentais –, é importante destacar que a ausência de uma legislação interna que reprima os atentados à liberdade sindical prejudica todos os interessados no desenvolvimento de negociações coletivas justas, em que o resultado tenha condições de exprimir a vontade das categorias econômicas e profissionais em um determinado contexto negocial, tornando eficaz eventual negociação. Das possíveis formas de se utilizar o direito para sancionar as condutas antissindicais – pelo viés administrativo, civil-trabalhista ou penal – o Brasil não adotou minimamente nenhuma delas.
Por todo o exposto, é possível afirmar, categoricamente, que o ambiente para a realização de negociações coletivas é extremamente prejudicado em face da ausência de previsões legais que promovam a liberdade sindical e repudiem as condutas antissindicais. Sem a construção de uma legislação interna que ofereça garantias mínimas aos titulares de direitos sindicais para o exercício adequado da negociação coletiva, qualquer medida que pretenda modernizar as relações de trabalho ou valorizar as relações coletivas é inócua, tendo em vista que os meios
mínimos para a sua concretização não estarão presentes no ordenamento jurídico brasileiro.
Nesse aspecto, é importante relembrar que o Ministério Público do Trabalho, assim como diversas entidades sindicais, apontaram os problemas advindos da prática de atos antissindicais no país e da necessidade de se tomar providências legislativas para coibir essas condutas. Contudo, como se vê pela leitura do relatório, nenhuma palavra foi levada em consideração.
Finalmente, é relevante destacar que, no início de fevereiro, foi divulgado o relatório do Comitê de Peritos da Comissão de Aplicação de Normas da Organização Internacional do Trabalho (OIT). No documento, há análises sobre a aplicação de Convenções da OIT nos países-membros.
Em relação à falta de normas aptas a reprimir as condutas antissindicais, o relatório apontou o seguinte: “O Comitê mais uma vez requer que o Governo tome as medidas necessárias para garantir que a legislação estabeleça remédios e sanções suficientemente dissuasivas contra atos antissindicais”.
Portanto, a aprovação do substitutivo do PL 6.787/2016 significará a violação da Constituição Federal e quebra de compromissos internacionais assumidos pelo Brasil e poderá fazer com que o país seja acionado perante a Comissão de Aplicação de Normas e o Comitê de Liberdade Sindical da OIT Desse modo, reafirma-se: a proposta contida no substitutivo é nociva para o equilíbrio das relações entes trabalhadores e empregadores, pois, de um lado, enfraquece as entidades sindicais e, de outro, permite que o produto das negociações coletivas dessas mesmas entidades reduzam ou suprimam direitos previstos em Lei.
5. Sobre as restrições ao acesso à Justiça do Trabalho.
A Constituição Federal, em seu art. 5o., XXXV, prevê que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito” e, no inciso LXXVIII, “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.
A despeito disso, nenhum desses dispositivos constitucionais foram observados em diversas inovações apresentadas no substitutivo ao PL 6787/2016, o que os inquina de inconstitucionalidade. Em verdade, nota-se, claramente, que um
dos objetivos contido em diversas normas do substitutivo é dificultar o acesso dos trabalhadores à Justiça do Trabalho, trilhando caminho oposto ao indicado pela Constituição Federal,
Inicialmente, deve-se pontuar que o processo do trabalho possui autonomia científica e tem como objetivo precípuo permitir que o trabalhador, o qual não recebeu os valores devidos em virtude do contrato de trabalho, tenha meios de receber o que lhe é de direito.
Ao invés de criar instrumentos para reduzir o nível de descumprimento das normas trabalhistas e as lesões que geram aos direitos dos trabalhadores, como medida para reduzir a inflação de processos trabalhistas apontada no Relatório, o projeto dificulta o acesso à Justiça do Trabalho para postular a reparação das violações – basilares diga-se, posto que referentes, em sua grande parte, ao pagamento de vernas rescisórias – consagrando uma clara inversão de valores, pois não se preocupa em impedir a própria ocorrência do dano, mas, tão-só, a sua reparação.
Nessa linha, as modificações que se pretende introduzir no §§ 3º e 4º do art. 790 da CLT objetivam dificultar a obtenção da justiça gratuita, pois, atualmente, a concessão pode ser de ofício para o trabalhador que ganha até dois salários mínimos (R$ 1.874,00) e, para os demais, basta que a parte faça uma declaração de que não possui condições de suportar os custos do processo. Com a nova redação proposta, é reduzido o patamar para concessão de ofício (30% do teto da previdência, R$ 1.556,94) e, para os demais, passa a ser exigida comprovação da insuficiência de recursos.
Isto destoa, até mesmo, das normas do Código de Processo Civil, que visa a regular as relações processuais entre pessoas que estejam no mesmo grau de suficiência. Imagine-se, então, criar maiores restrições processuais para o regramento de relações de conflito entre capital e trabalho, naturalmente desiguais entre si.
Com efeito, é, no mínimo, inconcebível que a sistemática que se pretende introduzir na Justiça do Trabalho crie maiores obstáculos do que aquela prevista no CPC para as causas da Justiça Comum, onde “Presume-se verdadeira a alegação de insuficiência deduzida exclusivamente por pessoa natural.” (art. 99, § 3º).
No mesmo sentido, há diversas proposições que dificultam e encarecem a tutela jurisdicional ao trabalhador, dificultando-lhe o acesso à Justiça. Como exemplo, apontamos a possibilidade do trabalhador ser responsabilizado pelo
pagamento de honorários periciais se for sucumbente no objeto da perícia, mesmo se beneficiário da justiça gratuita (art. 790-B da CLT). Da mesma forma, há previsão de responsabilização do trabalhador em honorários de sucumbência, novamente mesmo se beneficiário da justiça gratuita (art. 791-A da CLT). Igualmente, as modificações que se pretende introduzir no artigo 844 da CLT, condicionando o ajuizamento de nova ação pelo empregado que tenha faltado à audiência ao prévio pagamento das custas do processo arquivado, ainda que seja beneficiário de justiça gratuita.
Tais regras se mostram desproporcionais e excessivamente rigorosas com trabalhadores humildes e que muitas vezes enfrentam todas as dificuldades de transporte para chegar ao fórum, notadamente os que residem em áreas rurais, na periferia das grandes cidades ou que precisam se deslocar para outro Município onde situada a Justiça do Trabalho e mesmo chegando ao endereço precisam localizar a sala de audiências.
Com efeito, se o trabalhador perder a audiência, dificilmente terá condições financeiras de pagar as custas previamente ao ajuizamento de nova ação, resultando inviabilizado seu acesso à justiça.
Por outro lado, – e o desiquilíbrio da proposta é tanto e tão visível neste passar – que, em relação ao reclamado empregador o qual não comparece na audiência inaugural, pretende-se alterar a norma para lhe facilitar a defesa, ao se propor a possiblidade de juntada de contestação e de documentos, desde que esteja representado por advogado. Vale dizer: dificulta-se o acesso a Justiça por parte do trabalhador, mas facilita-se a defesa do empregador ausente na audiência inaugural.
Ademais, a previsão de homologação de acordo extrajudicial apresentado em petição conjunta (855-B e seguintes), em sede de jurisdição voluntária, resultará na institucionalização de uma prática ilícita já utilizada por algumas empresas, com a simulação de lides para obter a ampla quitação do contrato de trabalho mediante o pagamento das verbas rescisórias.
Considerando, ainda, que fica extinta a assistência e homologação do sindicato no momento do pagamento das verbas rescisórias, com a revogação do § 1º do art. 477 da CLT, a Justiça do Trabalho acabará convertida em órgão homologador de rescisões contratuais. E, nisto, não se alcançará, por certo, a redução do número de processos trabalhistas, objetivo este tão destacado no Relatório.
Note-se que bastará à empresa não pagar as verbas rescisórias no momento da rescisão para colocar o trabalhador em situação de extrema dificuldade financeira, pois este necessita de recursos para a subsistência da família, de modo que se verá compelido a aceitar receber o valor oferecido, mesmo que corresponda apenas às verbas rescisórias, mediante quitação do contrato.
É um sistema perverso que tende a inviabilizar o ajuizamento de ações trabalhistas, mesmo quando o trabalhador tenha sido lesado no curso do contrato de trabalho.
Outra norma que gera desequilíbrio no contrato de trabalho é a que prevê a quitação anual de obrigações trabalhistas, com eficácia liberatória das parcelas, perante o sindicato dos empregados da categoria. Embora conste como uma faculdade, é preciso lembrar que o empregado estará no curso do contrato, sob dependência econômica e subordinação, o que obviamente afeta a sua liberdade de recusar o procedimento.
Além disso, é preciso ter presente que grande parte dos sindicatos não possui estrutura adequada para dar assistência ao empregado em tal ato, ficando o trabalhador sujeito a acolher o que o empregador alegar como correto. Observe-se, ainda, que, na área rural, muitas vezes o mesmo sindicato congrega produtores e trabalhadores rurais, o que torna apenas formal a ideia de assistência. De qualquer sorte, a quitação fornecida no curso do contrato e fora do controle jurisdicional não deve ter eficácia liberatória, sob pena de consolidar lesão aos direitos sociais.
Ainda, cumpre mencionar que, apesar dos obstáculos para que o trabalhador tenha acesso ao Poder Judiciário Trabalhista, há previsões que facilitam a adjudicação do empregador, como a ampliação do leque de opções para o oferecimento do depósito recursal pelo empregador (art. 899 da CLT), a ampliação desmensurada do tempo entre a citação do executado e a ausência de garantia do juízo, para 60 dias (art. 883-A da CLT) bem como o engessamento da atividade jurisdicional, ao não permitir que o juiz promova de ofício a execução quando o trabalhador estiver representado por advogado (art. 878 da CLT). Sem dúvida, são dispositivos que contrariam o princípio constitucional da razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação (inciso LXXVIII do art. 5º da CRFB/88).
Por fim, cabe destacar que, apesar da justificativa da Reforma Trabalhista ser a modernização da legislação trabalhista e a adequação de diversos
dispositivos da CLT que seriam antiquados, o próprio substitutivo reproduz institutos já extintos no processo do trabalho, como o “presidente” das Juntas de Conciliação e Julgamento (art. 844, parágrafo 1o), figura inexistente no processo do trabalho desde a Emenda Constitucional n. 24/1999.
6. Sobre as limitações às decisões da Justiça do Trabalho, em especial quanto às restrições da reparação do dano moral.
Aparentemente, o substitutivo adere a uma visão preconceituosa e alheia à realidade da Justiça do Trabalho, difundida em alguns meios empresariais, no sentido de que decidiria sempre em favor dos trabalhadores. Todavia, tal visão não subsiste a qualquer análise isenta e embasada em fatos e números.
De forma inédita, o substitutivo prevê limitações às decisões da Justiça do Trabalho que não encontram paralelo nos outros ramos do Judiciário, o que se mostra preocupante tanto do ponto de vista do direito dos trabalhadores à integral reparação dos danos sofridos, quanto da integral prestação jurisdicional, expressamente assegurada no artigo 5º da CF/88.
Nessa linha, a tarifação do dano extrapatrimonial trabalhista prevista no artigo 223-G, § 1º, implica limitação incompatível tanto com o direito assegurado no artigo 5º, incisos V e X, da CF/88, quanto à garantia de ter a pretensão integralmente examinada pelo Poder Judiciário. Observe-se que o STF já decidiu pela inconstitucionalidade da tarifação de dano moral (RE 396.386-4), sendo em igual sentido a súmula 281 do STJ, pois a Constituição Federal assegura a reparação integral do dano.
Além disso, ao estabelecer que, no exame de acordo ou convenção coletiva de trabalho, a Justiça do Trabalho analisará “exclusivamente a conformidade dos elementos essenciais do negócio jurídico” (art. 8º, § 3º c/c 611, § 1º), conforme o artigo 104 do CC, em virtude do que estaria impedida a Justiça do Trabalho de decidir sobre o conteúdo das normas coletivas, a proposta viola a garantia prevista no artigo 5º, inciso XXXV, no sentido de que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”, pois, evidentemente, o teor das normas coletivas pode gerar lesão a direitos, inclusive aos constitucionalmente assegurados – como
deixa antever o próprio art. 611-B, proposto no substitutivo – cabendo ao Poder Judiciário decidir a esse respeito.
Assim, padece do vício de inconstitucionalidade norma que pretenda excluir lesão a direito da apreciação do Poder Judiciário.
Não fosse isso, a proposta caminha em sentido contrário aos mais recentes e modernos estudos da Ciência Jurídica do Processo. Com efeito, considerando a sistemática criada pelo Novo CPC, de estímulo à edição de súmulas e precedentes que orientem os julgados nas instâncias inferiores, justamente para evitar a profusão de recursos e decisões e a própria insegurança jurídica, causa espécie a série de limitações de conteúdo e procedimentos para edição de súmulas na Justiça do Trabalho, não se conhecendo similares restrições nos outros ramos do Judiciário.
Os requisitos exigidos pelo artigo 702, I, “f”, da Proposta, tornam praticamente inviável a edição de súmulas pelos Tribunais do Trabalho, pois, além do enunciado ser aprovado por dois terços dos membros do Tribunal, já deverá ter sido “decidida de forma idêntica por unanimidade em pelo menos dois terços das turmas em pelo menos dez sessões diferentes em cada uma delas”.
Ademais, a norma do artigo 8º, § 2º, mostra-se desarrazoada, pois a súmula consiste na síntese do entendimento do Tribunal na interpretação das normas legais e constitucionais, não criando direitos que já não possam ser extraídos do ordenamento jurídico.
Por fim, a proposta não prima pelo equilíbrio entre as partes ao vedar a execução de ofício quando a parte estiver representada por advogado (art. 878) - embora determine a execução de ofício das contribuições sociais – e, ao mesmo tempo, determinar que a prescrição intercorrente seja declarada de ofício (art. 11-A, § 2º), estabelecendo desse modo situação que tutela o réu, mas não o autor.
7. Sobre a exclusão ou redução da responsabilidade do empregador
A proposta apresentada pelo substitutivo do PL 6787/2016, ao reduzir substancialmente o conceito de grupo econômico – instrumento concebido para garantir o pagamento de créditos trabalhistas pelas entidades beneficiadas pela prestação de trabalho dos empregados – transfere o ônus da atividade econômica
para os trabalhadores. O risco do empreendimento, noção básica da caracterização do empregador, passa a ser do empregado. O afastamento da caracterização pela “mera identidade de sócios, ainda que administradores ou detentores da maioria do capital social, se não comprovado o efetivo controle de uma empresa sobre as demais” esvazia completamente o conceito de grupo econômico, uma vez que não será possível responsabilizar todas as empresas que tenham identidade societária e gerencial e que foram beneficiadas com os serviços realizados pelos trabalhadores. A exigência de que o trabalhador, no processo do trabalho, tenha o ônus de provar o controle de uma empresa sobre outra torna impossível a garantia do crédito de quem prestou serviços a determinado empregador e não recebeu os devidos valores oriundos do contrato de trabalho. Ademais, o substitutivo propõe que a empresa sucessora somente responderá, em relação às dívidas trabalhistas da sucedida, se houver comprovação de fraude. No entanto, nem mesmo o Código Civil, que regula relações entre iguais, chegou a tanto, em seu art. 1146. Da mesma forma, o afastamento absoluto da responsabilização em cadeia coloca o Brasil em posição atrasada em face de outros países e organismos internacionais, o que é uma evidente contradição em um projeto de lei que pretende “modernizar” a legislação trabalhista. As experiências internacionais, como as leis California Transparency in Supply Chains Act (2010) e a Modern Slavery Act (2015), a primeira dos Estados Unidos e a segunda da Inglaterra, avançam no debate da responsabilização da cadeia produtiva. No âmbito da Organização Internacional do Trabalho, o Protocolo à Convenção n. 29, em seu art. 4o, “j” prevê que as empresas devem tomar medidas efetivas para identificar, prevenir e mitigar a existência de trabalho escravo em suas cadeias produtivas. Desconsiderar a responsabilidade das empresas em cadeias produtivas joga o Brasil em um profundo obscurantismo trabalhista.
8. Sobre os prejuízos aos direitos de pessoas com deficiência e aos jovens aprendizes
O substitutivo inclui normas que prejudicam severamente o direito das pessoas com deficiência à inserção no mercado de trabalho, bem como restringem a
aprendizagem de adolescentes e jovens, comprometendo a plena fruição do direito constitucional à formação profissional, previsto no art. 227 da CF/88.
Com efeito, a proposta permite que acordo ou convenção coletiva exclua da base de cálculo da cota prevista no artigo 93 da Lei 8213/91 as funções que definir como “incompatíveis com beneficiários reabilitados ou pessoas com deficiência”.
Ocorre que essa matéria não envolve direitos das categorias ou condições de trabalho passíveis de negociação coletiva, de modo que os sindicatos não possuem legitimidade para deles dispor, pois, em verdade, tratam-se de direitos humanos de natureza difusa, que interessam à sociedade como um todo e especialmente às pessoas com deficiência, que não integram a categoria profissional e buscam uma colocação no mercado de trabalho.
O reconhecimento aos acordos e convenções coletivas, previsto no art. 7º, XXVI, da CF, possui alcance restrito à negociação de normas que regulem as relações de trabalho entre as categorias envolvidas, não autorizando a edição de normas que afetem direitos da sociedade em geral ou de pessoas alheias às categorias, pois essas são de competência do Poder Legislativo e não podem ser delegadas a entes privados, sob pena de afronta aos artigos 48 e seguintes da CF.
A proposição de exclusão prévia de determinadas funções toma por base uma visão que desconsidera a diversidade de situações configuradoras da deficiência, bem como as inúmeras possibilidades de adaptação às mais variadas funções, com a avaliação e assessoria de profissionais capacitados para tal análise, e, ainda, a de que a contratação pode se dar em qualquer das funções existentes na empresa.
A restrição do cálculo da cota prevista no art. 93 da Lei 8213-91 às “funções compatíveis” implicará supressão de grande número de vagas de trabalho para as pessoas com deficiência, representando inegável retrocesso social.
Certamente os sindicatos profissionais e patronais não dispõem de conhecimento técnico e estrutura para realizar a avaliação das funções, além do que esta sempre deve ser realizada no caso concreto, considerando as limitações da pessoa que se candidata à vaga de emprego.
Não bastasse, é incluído o § 7º para permitir que as empresas se desobriguem do cumprimento da obrigação mediante atos meramente formais, sem
que, efetivamente, realizem todos os esforços para viabilizar a contratação de pessoas com deficiência.
O mesmo raciocínio pode ser aplicado em relação às alterações ao artigo 429 da CLT, para excluir da base de cálculo da cota de aprendizagem as funções definidas em acordo ou convenção coletiva como “incompatíveis”, pois igualmente não envolvem direitos das categorias.
9. Criação da categoria do empregado “hipersuficiente”
O projeto cria uma categoria de empregados com redução de proteção legal, abrindo margem para contratação de direitos inferiores aos assegurados pela CLT, bem como para subtração do julgamento das lesões aos seus direitos pela Justiça do Trabalho, sujeitando-se à arbitragem individual.
Assim e de acordo com a proposta, para que o trabalhador seja enquadrado nessa categoria, basta que tenha formação de nível superior e receba salário igual ou superior a duas vezes o teto da Previdência Social, atualmente equivalente R$ 10.379,00.
Tais empregados poderão negociar individualmente com seus patrões todos os direitos indicados no art. 611-A da CLT, que, pela nova redação da proposta passaram a ser exemplificativos, o que, na prática, simplesmente lhes retira a proteção legal quanto aos itens expressamente mencionados e muitos outros aspectos da relação de emprego.
Além disso, o artigo 507-A prevê a possibilidade de incluir nos contratos cláusula compromissória de arbitragem, partindo de premissa equivocada, pois desconsidera que também este grupo de trabalhadores laboram sob dependência econômica e não possuem condições plenas e livres de determinar as cláusulas do contrato de trabalho, sendo que, mesmo no momento da contratação, cabe-lhe apenas aderir ao proposto pelo empregador ou desistir da vaga. A própria Lei 9307/96 condiciona a eficácia de tais cláusulas nos contratos de adesão, pois presumível a sua imposição ao contratado.
10. Sobre a redução de direitos reconhecidos em lei ou pela jurisprudência.
Somam-se aos prejuízos mencionados nos demais tópicos, a supressão ou redução de direitos assegurados em Lei ou reconhecidos pela jurisprudência reiterada dos Tribunais, diversamente do que afirma o Relatório, tais como:
a) acaba com as horas “in itinere”, previstas no artigo 58, § 2º, da CLT para as situações em que a empresa está estabelecida em “local de difícil acesso ou não servido por transporte público, e o empregador fornecer a condução”;
b) retira o direito à incorporação do valor da função gratificada, mesmo quando recebida por longos períodos (art. 468, § 2º, da CLT), reconhecido pela súmula nº 372 do TST;
c) acaba com a exigência de negociação coletiva para a dispensa em massa (art. 477-A da CLT), reconhecida pela jurisprudência como condição para sua implementação; d) cria modalidade de rescisão do contrato de trabalho por acordo, com pagamento da metade do aviso prévio e da multa do FGTS (484-A); e) atribui ao empregado as despesas pela higienização do uniforme, mesmo quando seu uso seja obrigatório e condição para o desenvolvimento da atividade econômica ou que seja utilizado para divulgação de produtos ou logomarcas da empresa ( art. 456-A da CLT); f) cria obstáculos à equiparação salarial, ampliando a possibilidade de tratamento não isonômico dos empregados (art. 461 da CLT). A redução de tais direitos configura retrocesso social, viola diversas normas constitucionais e em nada contribui para qualificar as relações de trabalho ou gerar empregos.
11. Sobre as modalidades de contratação para subemprego, com renda inferior ao salário mínimo mensal
O substitutivo cria, ainda, modalidades de contratação em condições de subemprego, nas quais não assegura nem mesmo o recebimento de um salário mínimo mensal pelo trabalhador, ferindo de morte norma constitucional sobre este tema. (Art. 7, IV da CF/88)
Esta característica é bastante clara no proposto contrato intermitente (art. 452-A), pois prevê apenas o pagamento do salário mínimo por hora, sem que seja assegurado um número mínimo de horas trabalhadas no mês. Assim, embora o trabalhador permaneça à disposição da empresa durante todo o período, aguardando convocação, poderá nada receber ao final do mês, ou receber um valor ínfimo, proporcional às horas que o empregador lhe deu trabalho.
Cabe lembrar que as necessidades vitais dos trabalhadores são fixas, havendo previsão constitucional de um patamar mínimo que assegure a manutenção de uma vida digna (art. 7º, IV, da CF).
Não bastasse, caso o trabalhador aceite a convocação e não compareça, terá de pagar multa equivalente a 50% da remuneração que seria devida, de modo que poderá chegar ao final do mês sem nada receber ou – o que é pior - com dívida junto ao empregador, assemelhando-se à figura da servidão por dívidas.
Conforme exposto em nossa Nota Técnica nº 01-2017, essa modalidade perversa de contrato subverte a lógica do sistema de produção, pois transfere aos empregados os riscos da atividade econômica, em flagrante colisão com os termos do artigo 2º da Consolidação das Leis do Trabalho.
Ademais, a regulamentação proposta, quanto ao regime de teletrabalho, exclui os trabalhadores das regras da CLT sobre jornada de trabalho, fazendo com que, na prática, não haja limites para sua jornada diária, nem registro ou controle dos seus horários de trabalho, embora sejam obviamente possíveis com os meios tecnológicos atualmente disponíveis.
Além disso, a norma não define a responsabilidade do empregador pelas despesas com a aquisição ou manutenção dos equipamentos e infraestrutura necessária para o trabalho ou as despesas dele decorrentes, como energia elétrica e internet, por exemplo, permitindo que sejam livremente estipuladas no contrato de trabalho.
Essa omissão quanto à responsabilidade do empregador abre espaço para transferência de custos e riscos da atividade econômica para o trabalhador, em
razão de sua conhecida hipossuficiência em uma livre negociação sobre as condições de trabalho.
Acresce que, no tocante às condições de saúde e segurança no trabalho, a única obrigação atribuída ao empregador é de “instruir os empregados, de maneira expressa e ostensiva, quanto às precauções a tomar”, o que é claramente insuficiente para prevenir doenças e acidentes de trabalho, pois não há qualquer garantia de que o ambiente será seguro e adequado ou que o empregado possuirá e dispenderá os recursos eventualmente necessários à sua adaptação.
Por fim, a alteração pretendida no contrato de trabalho a tempo parcial eleva a jornada máxima admitida nessa modalidade das atuais 25 horas semanais para até 32 horas semanais, consideradas as horas extras que passa a autorizar.
Dessa forma, a jornada máxima admitida no regime em tempo parcial passa dos atuais 57% para 73% do contrato a tempo integral, considerando que a jornada de trabalho semanal estabelecida pelo artigo 7º, XIII, da Constituição Federal é de 44 horas.
Essa proximidade da jornada a tempo parcial com a prevista para o tempo integral descaracteriza a natureza do regime de tempo parcial. Se, contratando por tempo parcial, o empregador puder contar com empregados que trabalharão mais que 2/3 da jornada de empregados do regime integral, por óbvio haverá enorme encorajamento à substituição de empregados em regime integral, com precarização de direitos e mera substituição de empregos de qualidade.
Em decorrência, haverá demissões de trabalhadores contratados em regime integral e substituição destes por trabalhadores em regime parcial, que trabalharão jornada considerável, mas recebendo salário inferior.
Note-se que também nessa modalidade não há previsão de pagamento do salário mínimo mensal, embora 30 horas semanais corresponda à jornada integral de algumas categorias, como a dos bancários, por exemplo.
Conforme detalhado em nossa Nota Técnica nº 02, a implementação dessa modalidade contratual em outros países gerou o fechamento de milhões de postos de trabalho de tempo integral, os quais foram substituídos por empregados a tempo parcial, sendo este o resultado esperado também no Brasil.
CONCLUSÃO
Em razão das considerações acima expostas, o MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO pugna por um debate mais aprofundado sobre as noveis proposições contidas no Relatório, pela REJEIÇÃO PARCIAL DO SUBSTITUTIVO AO PROJETO DE LEI Nº 6.787/2016, PELA SUA ADEQUAÇÃO nos aspectos apontados acima.
Cordialmente,
RONALDO CURADO FLEURY
PROCURADOR-GERAL DO TRABALHO