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sexta-feira, 4 de novembro de 2016

UMA CRUZADA CONTRA OS DIREITOS SOCIAIS



O APOCALIPSE TEM DATA MARCADA
Uma cruzada contra os Direitos Sociais
(*) Por Renato Novaes Santiago e Wagner Luiz Verquietini
Na onda sombria encampada pelo Supremo Tribunal Federal, o Ministro Luiz Fux marcou para o próximo dia 09.11.2016 a análise e julgamento do RE 958.252 com o recorrente tema da terceirização trabalhista.
De início, merece destaque a velocidade em que matérias relacionadas ao Direito do Trabalho e Previdenciário vêm sendo pautadas pelo STF nos últimos meses. Tem-se pressa para deturpar o pouco que nos resta de humanidade.
Podemos citar em 08.09.2016 o julgamento do RE 895.759 (1159) – decisão do Ministro Teori Zavascki acolhendo a tese do negociado sobre o legislado; 14.09.2016 - ADIN 4842 – Ministro Celso de Melo empresta validade a jornada diária de 12 horas, em total afronta à Constituição Federal; 07.10.2016 – Reclamação 24.597 – Ministro Dias Tofoli nega direito de greve aos servidores da saúde em geral e abre uma porta para eliminar o Direito Constitucional do setor Público; no mesmo sentido o RE 693.456, de 27.10.2016, autorizando o desconto dos dias parados em movimento grevista; 14.10.2016 – ADPF 323 – Ministro Gilmar Mendes determina a suspensão de processos sobre a validade de normas coletivas.
Já o julgamento da ADI 1625 sobre a constitucionalidade da denúncia da Convenção 158 da OIT. – o que poderia gerar a vedação das dispensas arbitrárias, se arrasta por quase 20 anos. Pasmem, este processo ainda necessita de vistas.
A partir do momento em que os Direitos Sociais foram eleitos como os vilões da economia nacional e que o executivo não quis assumir o risco político de promover esta reforma vil, há um acordo implícito para que os Tribunais Superiores, mormente o STF encampe o enxugamento da legislação pela via transversa da desconstrução do arcabouço protetivo, sem peso político para o executivo e legislativo.
Trata-se de manobra de viés ideológico abominável, pois usando da teoria da Constitucionalização ampliada do Direito, o STF passou a admitir com repercussão geral matérias que não poderiam ser analisadas em uma Corte Constitucional.
Os números demonstram que há um compromisso do STF no sentido da deturpação do Direito do Trabalho, pois os ataques se dão em pontos estratégicos com o poder de desestruturar toda a compreensão jurídica sobre o ramo trabalhista.
Caso o Tribunal siga no sentido dos demais julgamentos, teremos outro covarde ataque contra a Constituição Federal e o Direito.
A tramitação demonstra o momento histórico que vivemos. O processo foi distribuído em março de 2013. A primeira decisão – de abril de 2013 respeitou os precedentes, e, por não se tratar de matéria constitucional, o Recurso Extraordinário teve seu seguimento denegado. A recorrente agravou e em 11.06.2013 foi negado, ou seja, mais uma vez se manteve a coerência jurisprudencial.
A flexibilização das normas processuais se deu de forma tão “atípica”, que, em sede de Embargos de Declaração, a Turma reforma sua decisão e dá provimento ao recurso. Tergiversou sobre toda a construção da Corte ao admitir o Recurso Extraordinário com violação ao art. 5º, II, CF/88, inclusive com repercussão geral.
Terceirização trabalhista não é matéria constitucional! Dessa forma não estaria afeta à competência do Supremo. É desonesto o estratagema usado: filtragem constitucional. Os precedentes da Corte são no sentido de impossibilitar a análise reflexa da Constituição, mas pontualmente passou a não ser respeitados.
Deixando de lado os mínimos aspectos jurídicos que envolvem o tema, o fenômeno da terceirização irrestrita terá um poder apocalíptico contra o que se compreende hoje como Direito do Trabalho.
Abre-se a possibilidade para empresas sem nenhum empregado. O empregador poderá fatiar todos os setores do negócio e terceirizar. Acaba, assim, com a pessoalidade da relação de emprego e a invisibilidade tão cruel dos setores terceirizados se universalizará.
Empresas que não existem dirigindo funcionários invisíveis e descartáveis, perfeito cenário para essa distopia a que estamos prestes a ingressar.
A justificativa é do aumento do emprego e da melhoria da produtividade, competitividade e redução de custos.
Nenhum desses aspectos serão alcançados com a terceirização ilimitada.
Não há sequer uma única comprovação de que terceirização aumenta postos de trabalho, haveria, no máximo, a substituição de um empregado por um terceirizado.
Outra falácia é a da redução de custos para a empresa. Em que pese o salário dos terceirizados ser em média 25% menores do que um empregado efetivo, essa redução se perde no processo de locação de mão de obra e não chega ao tomador –  a redução se perde também no lucro da empresa intermediária, na possibilidade de passivo trabalhista, nos aditivos contratuais.
Nem mesmo a questão da produtividade pode ser levantada, pois as locadoras de mão de obra não investem em especialização de pessoal e um trabalhador sem contínuo aprimoramento perde em sua capacidade de se inserir em novas práticas produtivas.
A intensificação do labor e o descaso com as normas de segurança do trabalho trazem consequências aparentemente aceitáveis para aqueles que defendem a terceirização irrestrita: a liderança em acidentes de trabalho no brasil
Para o trabalhador é nefasto, pois além de ter um salário menor; está sujeito a maiores jornadas de trabalho e acidentes de trabalho; perde paulatinamente a especialização e passa a ser refém de uma dominação de mercado.
Para os Sindicatos as nuvens negras também estão carregadas, pois a terceirização irrestrita determinará o comprometimento da atuação de defesa, pois, por exemplo, no piso de uma fábrica poderão existir dezenas de categorias, pertencentes a sindicatos diferentes, ocorrendo de fato a fragmentação da organização sindical. O efeito imediato é o da perda de consciência de classe e com isso o movimento reivindicatório.
As decisões que vêm sendo tomadas pelo Supremo implicarão na destruição das garantias trabalhistas e não na melhora da economia e muito menos os níveis de emprego. O futuro é trágico para a classe trabalhadora e para o país.
A solução é uma intensa mobilização contra essa insensata tendência, que não poderá se dar de forma distinta do que com a unidade da classe trabalhadora, com novos formatos e estruturas não burocratizadas. Batalha a ser trava nas ruas e nos tribunais.
Quando esse sono letárgico passar, poderá ser tarde demais e o apocalipse ter se consolidado.
Porém, se tudo o que temos foi construído pelas mãos de homens e mulheres, tudo pode ser modificado por essas próprias mãos, que nunca foram invisíveis ou descartáveis, apesar que os digam diariamente o contrário.

segunda-feira, 31 de outubro de 2016

É O FIM DA JUSTIÇA DO TRABALHO?



Decisões do STF ignoram TST como órgão de cúpula em matéria trabalhista
Wagner Luís Verquietini*
Recentemente, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) comemorou seu reconhecimento como Órgão do Poder Judiciário com a aprovação da EC 92/2016.
Segundo o seu Presidente, Ives Gandra Martins Filho, “o novo texto é de fundamental importância ao reconhecer a Reclamação de Competência, instrumento para a preservação da competência e da jurisprudência do TST. Ele lembrou que tanto o Supremo Tribunal Federal (STF) quanto o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já possuem este instrumento, que democratiza o acesso às decisões dos tribunais superiores. O dispositivo estabelece que o TST pode fazer valer a sua decisão caso outras instâncias decidam de forma diferente da sua”([1][1]).
Porém, com a assunção ao poder do presidente da república – Michel Temer, o modelo capitalista “neoliberal” voltou ao cenário nacional com força máxima.
O momento histórico oportuniza a concretização das propostas da Confederação Nacional da Indústria (CNI), que historicamente chama a legislação trabalhista e as decisões do TST de irracionais ([2][2]).
Para o mercado, a reforma trabalhista é fundamental. A “desregulamentação” das leis de proteção ao trabalho constitui um “imperativo” econômico basal, invocado em nome da competitividade, da produtividade, da formalização do mercado de trabalho e do combate ao desemprego, fala reproduzida no discurso de posse do atual governo.
Contudo, promover ampla e profunda reforma trabalhista nesses moldes causaria enorme desgaste aos agentes políticos, preço que não querem pagar, vez que em jogo a hegemonia conquistada com o “impeachment” da presidenta Dilma Rousseff.
Não se sabe se há um acordo silencioso entre os Poderes ou se o Executivo percebeu que o Judiciário, por meio do STF, poderia avocar a desregulamentação trabalhista sem causar os prejuízos políticos temidos pelo Planalto.
Nesse sentido, em entrevista em 5 de outubro do presidente Michel Temer à rede Bandeirantes, ele diz textualmente (3’31”):
"Interessante como o próprio Judiciário já está começando a fazer uma reforma trabalhista. Tanto que, logo depois do teto, nós vamos para a reforma da Previdência, com aquelas significações que eu acabei de mencionar. E, ao mesmo tempo, levar adiante o que remanescer, ainda, da reforma trabalhista. Porque se num dado momento, os tribunais superiores, interpretando a Constituição Federal e a CLT, fizer, por conta própria (risos), uma reforma trabalhista, nós não precisamos levar adiante."
Certo é que a reforma por meio da desconstrução interpretativa da Constituição por “iniciativa” do STF se mostra aos olhos de todos de uma maneira contundente e avassaladora a partir da tomada do Poder.
Essa marcha não respeita a Justiça do Trabalho e o TST como órgão de cúpula em matéria trabalhista.
Um exemplo é o RE 895.759, onde se discutia se é possível reduzir horas “in itinere” através de norma coletiva (negociado sobre o legislado). O ministro Teori Zavascki, em três meses, monocarpicamente subverteu nove anos de tramitação perante a Justiça do Trabalho. Ele desconstruiu toda a compreensão jurídica que havia sido formada na esfera trabalhista ([3][3]).
Outro caso foi a decisão do ministro Dias Toffoli nos autos da Reclamação 24.597 apresentada pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto. Nesse processo o STF ignorou por completo o TST, vez que revogou uma sentença do TRT de Campinas, sem nem mesmo recorrer ao TST. Como disse Jorge Luiz Souto Maior “passou por cima do TST” ([4][4]).
De outro lado, o ministro Dias Toffoli fez letra morta da Constituição ao julgar que os funcionários da saúde não têm direito à greve.
Por fim, outra questão demonstra que o TST é, em verdade, um ser figurativo, como toda a Justiça do Trabalho passou a ser após a nova ofensiva “neoliberal”, apesar de constar da Constituição como órgão de cúpula do Poder Judiciário.
Trata-se da ADPF n.º 323, onde o ministro Gilmar Mendes, em atenção ao pedido da Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (Confenen), ignorou e enfrentou o TST, antes mesmo do próprio TST, em matéria relativa à ultratividade de normas coletivas e suspendeu os efeitos da Súmula 277 e de todos os processos que versem sobre a matéria.
Pior é que as decisões chegam a ser contraditórias, pois enquanto Teori Zavascki dá validade ao negociado frente ao legislado, Gilmar Mendes diz que o negociado tem prazo de validade fixo, ou seja, se a parte se recusar a negociar e não tiver comum acordo para instauração de dissídio coletivo, somente resta a alternativa da greve, mas como disse Dias Toffoli, a greve está proibida.
Uma coisa é certa, todas as recentes decisões do STF em matéria trabalhista mitigam o Direito do Trabalho e retiram a proteção do trabalhador.
Vale ressaltar que é bastante preocupante a postura adotada pelo STF, a total inércia do TST e também da comunidade jurídica trabalhista.
É um momento histórico que precisa de resistência. Não é possível se assistir a desconstrução do Direito do Trabalho de forma tão passiva, sem enfrentamento, vez que a finalidade deste é assegurar o mínimo de dignidade ao trabalhador e foi construído com muita luta.
*È especialista em Direito do Trabalho do Bonilha Advogados