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quinta-feira, 24 de março de 2011

A Igreja do Diabo - Uma visão metafísica da Inveja

Em um famoso conto de Machado de Assis, "A Igreja do Diabo", as virtudes são apresentadas como vícios e vice-versa. É uma ironia metafísica, provando que todo conceito é ambíguo. A ambição, bem dosada, transforma-se em virtude. Quando se quer crescer, a inveja pode travestir-se de admiração, enfim, mestre Machado comprova que tudo no homem é complexo. A INVEJA, no entanto, assim, com maiúsculas, pecado capital, grande, inteira, assumida, é um vício, deturpação, desvirtuamento, distorção, deformação de caráter, doença da alma.
A Inveja é verde, fica pálida de raiva diante da vitória do outro. Erva daninha, alastra-se, toma a vítima como câncer. Incontrolável, sufoca, provoca suores e cólicas. Amarga. Abafa. Sobe á garganta como vômito, ou vem sutil como cobra, serpente venenosa do coração ao cérebro (ou em percurso contrário?).
É intermitente, inesperada, movida por mil estímulos, qualquer alegria do outro, mérito, prêmio, reconhecimento, atiça-a. Ela se aborrece, irrita-se, morde-se. É autofágica. É um bumerangue: volta e atinge o sujeito ativo, o dínamo que gerou a força negativa, o réptil que produziu a peçonha.
As vezes a Inveja é mansa, espraia-se dócil em algum lago escuro e profundo do inconsciente. Bicho atiçado, encapela-se, transforma-se em tornado, maremoto.
A Inveja esteriliza, planta desertos, não admite oásis. É planta desidratada, coberta pela poeira da raiva.
Mãe do ódio, irmã da avareza, não suporta sentimentos positivos, que pulveriza com mesquinharias, apequenamentos, valores pífios.
O invejoso não sorri, tem esgar; não compartilha, isola-se; não beija, morde; não afaga, pica.
A Inveja atrai, desanima, infelicita...
O Invejoso não é senhor de si, mas vassalo. Não habita o castelo, só o fosso. Não voa, rasteja. Não canta, silva agouros. Não ri, espuma.
A Inveja nasce tímida, camuflada de admiração. Cresce torta, bafejada pela própria mediocridade, amadurece, tornando-se irmã da ira. As duas têm muito em comum: o mesmo sabor acre, auto-envenenamento sem antídoto, serpentes que engolem o rabo.
O invejoso é o bastardo de Lúcifer. O pai foi grandioso até no erro; o filho, ínfimo nas miúdas peçonhas.
A Inveja tem múltiplas faces, porque o invejoso é ator: usa mil máscaras que lhe grudam à cara. É Medusa com cabelos de serpentes, faz virar pedra quem a mira nos olhos. Urge um Perseu para destruí-la.
No céu não há lugar para os invejosos. Deus é o antônimo deles. Dante colocou os invejosos em um dos círculos do Inferno. Há que evitá-los, ignorá-los, exorcizá-los, porque eles são o lado sombrio e crespo do espírito, a banda podre da vida.
(AUTORA: ELY VIEITEZ LANES - Professora, escritora e acadêmica. Residente em Ribeirão Preto/SP, coordena o Laboratório de Redação do COC . É coordenadora de "O Tablóide").

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