A Reforma trabalhista vai acentuar mais as desigualdades
sociais e dizimar o Direito do Trabalho
(*) Por Renato Novaes Santiago e Wagner Luiz Verquietini
Com a promessa de modernização da
legislação laboral para geração de novos empregos, favorecer as médias e
pequenas empresas, melhoria da competitividade do Brasil frente ao mercado
mundial e construir a sociedade dos homens livres, o PL 6.787/2016, também
chamando de Reforma Trabalhista, tem potencial de colocar a classe que vive do
trabalho definitivamente em posição crítica frente ao empresariado.
O Relator do Projeto de Lei –
Deputado Rogério Marinho (PSDB-RN), ao apresentar seu parecer, afirma em
diversas passagens que a reforma não tem o objetivo de favorecer as empresas em
detrimento dos direitos sociais. Então como explicar que todas as propostas de
mudanças na legislação laboral estão contidas no documento denominado: “Agenda
Legislativa da Indústria 2017 Projetos da Pauta Mínima”[1]?
As propostas contidas no PL 6.787/2016
são nefastas para os trabalhadores sob todos os aspectos, mas então como
convencer as camadas sociais que vivem apenas da venda de sua mercadoria
trabalho, uma vez que o objetivo implícito é apenas de extrair ainda mais lucro
para as grandes empresas?
A resposta é muito simples: colocando
a culpa no Direito do Trabalho. A função é demonizar o substrato trabalhista,
responsabilizá-lo mais uma vez pela crise, pela falta de empregos, pela
informalidade, pela baixa competitividade da empresa nacional. Esse discurso
inclusive é recorrente na história do Brasil e vem desde a Lei Aurea, quando os
escravocratas afirmavam que a abolição dos escravos levaria o País à falência.
Usando uma metáfora: a reforma
trabalhista proposta é a revogação da Lei Aurea, é a instituição de uma nova
forma de escravidão. A liberdade imaginada pelas oligarquias é para a empresa e
não para os trabalhadores. O Estado somente deve intervir nas relações trabalho
e capital para favorecer este.
Em suma, a reforma trabalhista acentuará
ainda mais as desigualdades sociais existentes e trará de volta para o pântano
os que ascenderam recentemente, em nada melhorará para a pequena e média
empresa, as quais serão as primeiras a ser atingidas pela míngua da classe
trabalhadora.
O primeiro argumento sempre usado
é de que as CLT é velha e que as normas trabalhistas são anacrônicas para um
mercado muito diferente do meados do Século XX quando a legislação trabalhista
pré-existente foi Consolidada.
Se isso de fato é uma verdade; se
hoje com o mesmo tempo de trabalho é possível se produzir uma quantidade
infinitamente superior que há 70 anos, a lógica da mudança da legislação não
deveria ser outra? Ou seja, a jornada de trabalho poderia ser de 2 horas
diárias, com um salário quatro vezes maior, mas a reforma para “modernizar” a
legislação trabalhista propõe a instituição indiscriminada de jornadas de 12
horas diárias, ou seja, uma volta ao início da era industrial.
Os principais pontos da reforma
trabalhista são:
a) Liberdade na contratação e ausência de
formalismos na rescisão;
Uma gama quase infindável de
possibilidades: que vão desde o trabalho em domicilio; tele trabalho; contratos
por tempo parciais (até 32 horas por semana); intermitentes, também chamados de
“zero hora” (são aqueles que o empregado fica vinculado à empresa, mas somente
recebe quando efetivamente trabalhar; passando pela ampliação do conceito de
terceirização trabalhista, ou seja, modificação da recém-criada Lei
13.429/2017.
Em verdade, os contratos de
trabalho que conhecemos seriam a exceção e a regra seria a forma liberal de
contratação de mão-de-obra.
A rescisão dispensaria o crivo
sindical e a homologação teria eficácia liberatória para as parcelas
discriminadas. E para afastar o lesado da Justiça do Trabalho, que segundo os
segmentos empresariais é paternalista, institui a possibilidade de arbitragem
também para os dissídios individuais.
b) Flexibilização
das jornadas de trabalho, formas de não pagamento de horas extras e
possibilidade de redução do intervalo;
Como o legislador reformista tenta
convencer que o trabalhador de hoje não precisa mais da tutela do Estado e é
totalmente livre para negociar seu contrato, a jornada de trabalho poderia ser
flexibilizada para atender melhor as demandas de produção, instituindo,
inclusive, por acordos individuais, sem a comprovação de extraordinariedade, o
regime diário de 12 horas, desde que respeitado o limite constitucional de 44
horas semanais.
Outro ponto bastante perseguido é
a de que o trabalhador somente receberia pelas horas efetivamente trabalhadas,
não mais como é hoje, em que se poderia receber quando está à disposição do
empregador aguardando ordens. Assim, acabam as horas “in itinere” ou aquele
tempo que o empregado gasta do portão da empresa até o local de assinalar o
ponto.
Há ainda, diversos mecanismos para
que a empresa use do trabalho extraordinário sem a necessidade de pagar horas
extras, como a ampliação das possibilidades de bancos de horas e formas de
prorrogação e compensação de jornadas.
Até o salutar e sagrado intervalo
mínimo destinado a alimentação e descanso poderia ser negociado entre
empregados e empregadores, em clara ofensa aos ditames de medicina, segurança e
higiene do trabalho.
c)
Institui a
prevalência do negociado sobre o legislado para condições abaixo das mínimas
previstas em lei;
Sem dúvida alguma a prevalência do
negociado sobre o legislado é a proposta mais nefasta e perniciosa para os
trabalhadores, pois em um ambiente de profunda fragilidade dos entes sindicais,
inclusive com a possibilidade da perda de sua maior fonte de receitas pela
reforma trabalhista, o trabalhador estaria totalmente desamparado e a mercê das
mais espúrias investidas.
A compreensão que temos do Direito
do Trabalho como: conjunto de princípios, regras e instituições tem como
fundamento a proteção do trabalhador e a melhoria de sua condição social[2],
seria totalmente dizimado, pois na construção da norma individual para as
partes, variariam de trabalhador para trabalhador, de empresa para empresa, de
cidade para cidade etc.
A título de exemplo de negociado
sobre o legislado podemos citar o 13º salário que ao ser pago em 12 parcelas
mensais deixaria ser um algo a mais para o trabalhador para se tornar parte
efetiva dos salários e com o tempo ser absorvido por este.
A prevalência do negociado sobre o
legislado é tão amplo que em verdade é uma carta branca para a instituição de
regras trabalhistas no âmbito da empresa.
d) enfraquecimento do poder sindical;
As diversas mudanças empreendidas
têm a capacidade de decretar a míngua do poder sindical.
A terceirização trabalhista irrestrita
e o contrato intermitente, por exemplo, levam à fragmentação da classe
trabalhadora e à dificuldade de formação de consciência de classe. Sem
objetivos comuns os trabalhadores nem mesmo vão conseguir se articular para
discussão de pautas para a melhora de sua condição.
Contradições e inconsistências
transbordam no discurso do presente projeto de lei. Argumenta-se que a
prevalência do negociado sobre o legislado trará uma maior autonomia e poderio
ao movimento sindical, e, ao mesmo tempo, busca romper com sua principal fonte
de renda, o chamado “imposto sindical”. A que pese o longínquo debate acerca do
imposto, contestado até mesmo por aqueles que defendem a liberdade sindical,
fato é que a imposição de cortes econômicos sem a devida cautela, trará uma
asfixia de todo o sistema sindical.
A mensagem passada pelo legislador,
em nosso entendimento, é a seguinte: “o sindicato, enquanto representante do
trabalhador, poderá negociar tudo aquilo que as normas constitucionais não
proíbam, para o bem ou para o mal. Para evitar que essa negociação traga bons
frutos para categorias organizadas, diminuir-se-ão totalmente o seu poderio
econômico, dificultando o poder de barganha”[3];
Rompe-se ainda com avanços
jurisprudenciais importantes na seara do direito coletivo, uma vez que traz em
seu projeto a inaplicabilidade da ultratividade das normas coletivas e a
desnecessidade da existência de contrapartidas como requisito de validade
formal do acordo ou convenção coletiva.
Conclusão
Vivemos no mundo marcado por uma
enorme quantidade de mercadorias. Todos os nossos atos diários permeiam essa
lógica: do simples andar de ônibus à compra do café pingado. Com o homem não é
diferente, somos imersos nesse mundo, e neles somos a mercadoria mais
importante de todas.
De acordo com toda a lógica de
“modernização” proposta no projeto de lei, à essa mercadoria humana também
caberia uma mudança de tratamento. Passaria por conceitos bastante fluidos, do
empregado para o prestador de serviço, do trabalhador para o colaborador, forma
deveras antigas com uma roupagem nova.
Esta é a oportunidade do
empresariado brasileiro passar a reforma trabalhista dos seus sonhos, reduzindo
custos, diminuindo postos de trabalho efetivos e enfraquecendo o poder de
barganha de sua categoria antagônica. Essa é a modernização da mercadoria
trabalho, da mercadoria humana: ser cada vez mais barata, ser cada vez mais
indefinida, ser cada vez menos humana.
A legislação trabalhista não pode
pagar a conta pela crise estrutural que assola o país. Direitos não são meras
linhas apócrifas, sua autoria, no caso do Direito do Trabalho, é legitimamente
assumida por aqueles que dela se valem como escudo.
Nunca na breve história deste país
ficou tão claro a quem representam os membros de nossa dita democracia
participativa. Com um distanciamento brutal de tudo aqui que é real ou
palpável, cumprem as agendas já amareladas pelo tempo, as cartilhas debilmente
traduzidas de nossos pretensos credores internacionais e que aqui ditam regras,
para fazer crer que o remédio amargo é aquele que cura mais rápido.
A esperança resiste em um simples
fato: tudo que temos até hoje foi construído pelas mãos de homens e mulheres,
todas as nossas conquistas e direitos foram assim construídas, nunca neste país
existiu qualquer tipo de outorga ou benevolência, e se é dessa forma que nosso
direito trabalhista foi constituído, é dessa forma que esses homens e mulheres
irão reagir para reafirmá-lo. O que nos resta de humanidade sempre prevalecerá
diante de tudo que buscam nos impor.
Por SANTIAGO, Renato Novaes,
Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Alagoas, Especializando em Direito
Material e Processual do Trabalho pela Faculdade de Direito da Universidade de
São Paulo; e VERQUIETINI, Wagner Luiz,
Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito de
Araçatuba, SP – Instituição Toledo de Ensino, Pós-graduado “lato sensu” – Instituição Toledo de
Ensino – Bauru – SP, em Direito Material e Processual do Trabalho e
Especializando em Direito Material e Processual do Trabalho pela Faculdade de
Direito da Universidade de São Paulo, advogados no escritório Bonilha
Advogados.
[1]
Disponível em: http://www.portaldaindustria.com.br/agenciacni/noticias/2017/03/conheca-os-projetos-prioritarios-da-agenda-legislativa-da-industria-2017/,
acesso em 13 04 2017.
[2]
MAGANO, Octavio Bueno. Direito do
Trabalho e Direito Econômico, Revista LTr, 39/732.
[3] O uso da
mesóclise é aqui intencional.
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