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terça-feira, 18 de abril de 2017

PL 6.787/2016



A Reforma trabalhista vai acentuar mais as desigualdades sociais e dizimar o Direito do Trabalho
(*) Por Renato Novaes Santiago e Wagner Luiz Verquietini
Com a promessa de modernização da legislação laboral para geração de novos empregos, favorecer as médias e pequenas empresas, melhoria da competitividade do Brasil frente ao mercado mundial e construir a sociedade dos homens livres, o PL 6.787/2016, também chamando de Reforma Trabalhista, tem potencial de colocar a classe que vive do trabalho definitivamente em posição crítica frente ao empresariado.
O Relator do Projeto de Lei – Deputado Rogério Marinho (PSDB-RN), ao apresentar seu parecer, afirma em diversas passagens que a reforma não tem o objetivo de favorecer as empresas em detrimento dos direitos sociais. Então como explicar que todas as propostas de mudanças na legislação laboral estão contidas no documento denominado: “Agenda Legislativa da Indústria 2017 Projetos da Pauta Mínima”[1]?
As propostas contidas no PL 6.787/2016 são nefastas para os trabalhadores sob todos os aspectos, mas então como convencer as camadas sociais que vivem apenas da venda de sua mercadoria trabalho, uma vez que o objetivo implícito é apenas de extrair ainda mais lucro para as grandes empresas?
A resposta é muito simples: colocando a culpa no Direito do Trabalho. A função é demonizar o substrato trabalhista, responsabilizá-lo mais uma vez pela crise, pela falta de empregos, pela informalidade, pela baixa competitividade da empresa nacional. Esse discurso inclusive é recorrente na história do Brasil e vem desde a Lei Aurea, quando os escravocratas afirmavam que a abolição dos escravos levaria o País à falência.
Usando uma metáfora: a reforma trabalhista proposta é a revogação da Lei Aurea, é a instituição de uma nova forma de escravidão. A liberdade imaginada pelas oligarquias é para a empresa e não para os trabalhadores. O Estado somente deve intervir nas relações trabalho e capital para favorecer este.
Em suma, a reforma trabalhista acentuará ainda mais as desigualdades sociais existentes e trará de volta para o pântano os que ascenderam recentemente, em nada melhorará para a pequena e média empresa, as quais serão as primeiras a ser atingidas pela míngua da classe trabalhadora.
O primeiro argumento sempre usado é de que as CLT é velha e que as normas trabalhistas são anacrônicas para um mercado muito diferente do meados do Século XX quando a legislação trabalhista pré-existente foi Consolidada.
Se isso de fato é uma verdade; se hoje com o mesmo tempo de trabalho é possível se produzir uma quantidade infinitamente superior que há 70 anos, a lógica da mudança da legislação não deveria ser outra? Ou seja, a jornada de trabalho poderia ser de 2 horas diárias, com um salário quatro vezes maior, mas a reforma para “modernizar” a legislação trabalhista propõe a instituição indiscriminada de jornadas de 12 horas diárias, ou seja, uma volta ao início da era industrial.
Os principais pontos da reforma trabalhista são:
a)      Liberdade na contratação e ausência de formalismos na rescisão;
Uma gama quase infindável de possibilidades: que vão desde o trabalho em domicilio; tele trabalho; contratos por tempo parciais (até 32 horas por semana); intermitentes, também chamados de “zero hora” (são aqueles que o empregado fica vinculado à empresa, mas somente recebe quando efetivamente trabalhar; passando pela ampliação do conceito de terceirização trabalhista, ou seja, modificação da recém-criada Lei 13.429/2017.
Em verdade, os contratos de trabalho que conhecemos seriam a exceção e a regra seria a forma liberal de contratação de mão-de-obra.
A rescisão dispensaria o crivo sindical e a homologação teria eficácia liberatória para as parcelas discriminadas. E para afastar o lesado da Justiça do Trabalho, que segundo os segmentos empresariais é paternalista, institui a possibilidade de arbitragem também para os dissídios individuais.
b)      Flexibilização das jornadas de trabalho, formas de não pagamento de horas extras e possibilidade de redução do intervalo;
Como o legislador reformista tenta convencer que o trabalhador de hoje não precisa mais da tutela do Estado e é totalmente livre para negociar seu contrato, a jornada de trabalho poderia ser flexibilizada para atender melhor as demandas de produção, instituindo, inclusive, por acordos individuais, sem a comprovação de extraordinariedade, o regime diário de 12 horas, desde que respeitado o limite constitucional de 44 horas semanais.
Outro ponto bastante perseguido é a de que o trabalhador somente receberia pelas horas efetivamente trabalhadas, não mais como é hoje, em que se poderia receber quando está à disposição do empregador aguardando ordens. Assim, acabam as horas “in itinere” ou aquele tempo que o empregado gasta do portão da empresa até o local de assinalar o ponto.
Há ainda, diversos mecanismos para que a empresa use do trabalho extraordinário sem a necessidade de pagar horas extras, como a ampliação das possibilidades de bancos de horas e formas de prorrogação e compensação de jornadas.
Até o salutar e sagrado intervalo mínimo destinado a alimentação e descanso poderia ser negociado entre empregados e empregadores, em clara ofensa aos ditames de medicina, segurança e higiene do trabalho.
c)      Institui a prevalência do negociado sobre o legislado para condições abaixo das mínimas previstas em lei;
Sem dúvida alguma a prevalência do negociado sobre o legislado é a proposta mais nefasta e perniciosa para os trabalhadores, pois em um ambiente de profunda fragilidade dos entes sindicais, inclusive com a possibilidade da perda de sua maior fonte de receitas pela reforma trabalhista, o trabalhador estaria totalmente desamparado e a mercê das mais espúrias investidas.
A compreensão que temos do Direito do Trabalho como: conjunto de princípios, regras e instituições tem como fundamento a proteção do trabalhador e a melhoria de sua condição social[2], seria totalmente dizimado, pois na construção da norma individual para as partes, variariam de trabalhador para trabalhador, de empresa para empresa, de cidade para cidade etc.
A título de exemplo de negociado sobre o legislado podemos citar o 13º salário que ao ser pago em 12 parcelas mensais deixaria ser um algo a mais para o trabalhador para se tornar parte efetiva dos salários e com o tempo ser absorvido por este.
A prevalência do negociado sobre o legislado é tão amplo que em verdade é uma carta branca para a instituição de regras trabalhistas no âmbito da empresa.
 d) enfraquecimento do poder sindical;
As diversas mudanças empreendidas têm a capacidade de decretar a míngua do poder sindical.
A terceirização trabalhista irrestrita e o contrato intermitente, por exemplo, levam à fragmentação da classe trabalhadora e à dificuldade de formação de consciência de classe. Sem objetivos comuns os trabalhadores nem mesmo vão conseguir se articular para discussão de pautas para a melhora de sua condição.
Contradições e inconsistências transbordam no discurso do presente projeto de lei. Argumenta-se que a prevalência do negociado sobre o legislado trará uma maior autonomia e poderio ao movimento sindical, e, ao mesmo tempo, busca romper com sua principal fonte de renda, o chamado “imposto sindical”. A que pese o longínquo debate acerca do imposto, contestado até mesmo por aqueles que defendem a liberdade sindical, fato é que a imposição de cortes econômicos sem a devida cautela, trará uma asfixia de todo o sistema sindical.
A mensagem passada pelo legislador, em nosso entendimento, é a seguinte: “o sindicato, enquanto representante do trabalhador, poderá negociar tudo aquilo que as normas constitucionais não proíbam, para o bem ou para o mal. Para evitar que essa negociação traga bons frutos para categorias organizadas, diminuir-se-ão totalmente o seu poderio econômico, dificultando o poder de barganha”[3];
Rompe-se ainda com avanços jurisprudenciais importantes na seara do direito coletivo, uma vez que traz em seu projeto a inaplicabilidade da ultratividade das normas coletivas e a desnecessidade da existência de contrapartidas como requisito de validade formal do acordo ou convenção coletiva.
 Conclusão
Vivemos no mundo marcado por uma enorme quantidade de mercadorias. Todos os nossos atos diários permeiam essa lógica: do simples andar de ônibus à compra do café pingado. Com o homem não é diferente, somos imersos nesse mundo, e neles somos a mercadoria mais importante de todas.
De acordo com toda a lógica de “modernização” proposta no projeto de lei, à essa mercadoria humana também caberia uma mudança de tratamento. Passaria por conceitos bastante fluidos, do empregado para o prestador de serviço, do trabalhador para o colaborador, forma deveras antigas com uma roupagem nova.
Esta é a oportunidade do empresariado brasileiro passar a reforma trabalhista dos seus sonhos, reduzindo custos, diminuindo postos de trabalho efetivos e enfraquecendo o poder de barganha de sua categoria antagônica. Essa é a modernização da mercadoria trabalho, da mercadoria humana: ser cada vez mais barata, ser cada vez mais indefinida, ser cada vez menos humana.
A legislação trabalhista não pode pagar a conta pela crise estrutural que assola o país. Direitos não são meras linhas apócrifas, sua autoria, no caso do Direito do Trabalho, é legitimamente assumida por aqueles que dela se valem como escudo.
Nunca na breve história deste país ficou tão claro a quem representam os membros de nossa dita democracia participativa. Com um distanciamento brutal de tudo aqui que é real ou palpável, cumprem as agendas já amareladas pelo tempo, as cartilhas debilmente traduzidas de nossos pretensos credores internacionais e que aqui ditam regras, para fazer crer que o remédio amargo é aquele que cura mais rápido.
A esperança resiste em um simples fato: tudo que temos até hoje foi construído pelas mãos de homens e mulheres, todas as nossas conquistas e direitos foram assim construídas, nunca neste país existiu qualquer tipo de outorga ou benevolência, e se é dessa forma que nosso direito trabalhista foi constituído, é dessa forma que esses homens e mulheres irão reagir para reafirmá-lo. O que nos resta de humanidade sempre prevalecerá diante de tudo que buscam nos impor.
Por SANTIAGO, Renato Novaes, Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Alagoas, Especializando em Direito Material e Processual do Trabalho pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo; e VERQUIETINI,  Wagner Luiz, Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito de Araçatuba, SP – Instituição Toledo de Ensino, Pós-graduado “lato sensu” – Instituição Toledo de Ensino – Bauru – SP, em Direito Material e Processual do Trabalho e Especializando em Direito Material e Processual do Trabalho pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, advogados no escritório Bonilha Advogados.


[2] MAGANO, Octavio Bueno. Direito do Trabalho e Direito Econômico, Revista LTr, 39/732.
[3] O uso da mesóclise é aqui intencional.

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