20/03/2012 - 13h20
Mortes por
excesso de horas-extras põem em questão trabalho em Taiwan
DA BBC BRASIL
Trabalhar duro é algo impregnado na sociedade de Taiwan. Mas casos
recentes de mortes atribuídas ao excesso de trabalho estão levando cidadãos
do país a questionar essa cultura pela primeira vez.
Segundo dados divulgados pelo governo, quase 50 trabalhadores
morreram no ano passado supostamente por trabalhar mais do que o permitido
por lei - quase quatro vezes mais que no ano anterior.
Entre os casos divulgados pela mídia local nos últimos dois anos,
estão o do engenheiro Hsu Shao-pin, de 29 anos, encontrado morto em casa em
2010 após um ataque cardíaco. Ele teria trabalhado uma média de 99
horas-extras por mês nos seis meses antes de sua morte.
O segurança Chiang Ding-kuo, de 29 anos, morreu após sofrer um
derrame no trabalho em 2010. Nos nove anos até sua morte, ele vinha
trabalhando até 75 horas semanais.
Hsieh Ming-hung, de 30 anos, um engenheiro da fabricante de
eletrônicos HTC, morreu em fevereiro no dormitório que ocupava na fábrica.
Ele vinha fazendo 68 horas-extras por mês.
Investigadores encarregados pelo governo de analisar as causas das
mortes supostamente relacionadas ao excesso de trabalho verificaram que as
vítimas geralmente tinham problemas congênitos, principalmente cardíacos.
Eles também tinham outros fatores de risco, como obesidade ou fumo.
Mas o excesso de trabalho contribuiu como agravante. A maioria tinha entre
20 e 40 anos.
MULTAS BRANDAS
As empresas geralmente não contestam as conclusões das investigações
pedidas pelo governo. Elas são obrigadas apenas a pagar uma pequena multa
por violar as leis de horas-extras.
O departamento de seguro do trabalho dá às famílias de vítimas até
3,75 vezes o salário anual.
"Tivemos todos esses casos, incluindo trabalhadores migrantes
que morreram por excesso de trabalho. Mas no passado, algumas pessoas
pensaram que era apenas um ataque do coração normal", afirmou Sun
Yu-lian, secretário-geral da Frente Trabalhista de Taiwan, a principal
central sindical do país.
"O que é diferente sobre os casos recentes é que as famílias
começaram a reclamar", disse.
Apesar de as leis de Taiwan exigirem que os trabalhadores não façam
mais de 46 horas-extras por mês, elas abrem também a possibilidade de
alguns empregados trabalharem mais se concordarem.
"Há leis, mas há problemas com o cumprimento das leis. Isso tem
a ver com a cultura local", diz Peng Feng-me, especialista em
segurança e saúde do departamento de trabalho do governo.
"Os empregadores de Taiwan não seguem as leis. Eles encontram
alternativas porque acham que ninguém vai fiscalizar", afirma.
Os números do governo indicam que o número de casos de excesso de
trabalho são desproporcionalmente baixos em comparação com a força de
trabalho do país e com economias semelhantes, como as do Japão ou da Coreia
do Sul, levando muitos a acreditar que o problema não tem sido registrado
como deveria.
MAIS RECREAÇÃO
As estatísticas mostram que Taiwan está entre os países com o mais
longo dia de trabalho.
Na média, os taiwaneses trabalham 2.200 horas anuais - 20% mais que
japoneses e americanos, 30% mais que os britânicos e 50% mais que os
alemães.
Um estudo do governo em 2010 verificou que 80% das grande empresas
de Taiwan estão sendo investigadas por violar as leis de horas-extras.
Apesar disso, as autoridades dizem que as condições vêm melhorando.
"Nos últimos anos, fizemos mudanças na lei para permitir que os
trabalhadores tenham mais tempo para recreação", afirma Lo
Chih-chiang, que até recentemente era porta-voz presidencial.
A maioria dos empregados tem agora dois dias de folga por semana. O
governo também já ameaçou elevar as multas e até mesmo prender empregados.
As autoridades criaram ainda uma linha de telefone para receber denúncias e
até mesmo reduziram o máximo de horas de trabalho para certas profissões.
Mas muitos ainda veem dias de trabalho de 12 horas como a norma, com
alguns gerentes até mesmo abdicando de suas férias anuais.
Susan Tai, que combina cargas horárias diárias de dez horas com o
cuidado de um bebê pequeno, afirma que sair cedo do trabalho não é uma opção.
"Meus colegas ficariam bravos comigo, e meu chefe pensaria que eu não
tenho trabalho suficiente para fazer", diz.
COMPETITIVIDADE
Outros também argumentam que a força de trabalho de Taiwan precisa
trabalhar muito para se manter competitiva.
Lin Bing-bin,que chefia uma associação patronal, diz que trabalhar
duro em Taiwan é importante para o desenvolvimento econômico do país.
"Nós, empregadores, concordamos que deveríamos elevar os
benefícios aos trabalhadores, mas não podemos esquecer que a atitude de
trabalhar duro é muito importante, um fator básico para o desenvolvimento
econômico do país", diz.
"As leis podem ser revisadas para serem mais duras e completas,
mas elas não deveriam ser muito inflexíveis. Se elas forem muito duras,
poderiam prejudicar o desenvolvimento econômico de Taiwan", afirma.
Os sindicatos são quase inexistentes ou muito fracos para ajudar os
afetados a pedir compensação. Muitos também têm dúvidas se o governo vai
realmente punir as empresas que não respeitam a lei.
Segundo analistas, um dos problemas com as leis atuais é que as
punições são muito leves. "É tarde demais elevar as multas ou penas de
prisão. O trabalhador já morreu", diz Sun, da Frente Trabalhista de
Taiwan.
MEIA-NOITE É O LIMITE
Mas algumas companhias, especialmente aquelas com registros de
mortes relacionadas ao excesso de trabalho, estão começando a admitir o
problema.
A HTC proibiu que seus empregados trabalhem depois da meia-noite
após a morte do engenheiro Hsieh, segundo a mídia local.
A Nanya Technology agora exige que os empregados peçam autorização
para fazer hora-extra, segundo o vice-presidente da companhia, Pei Lin-pai.
O governo do país diz que Taiwan quer "criar uma economia
baseada em conhecimento e inovação" e que com isso "trabalhar
duro vai ter um novo sentido".
Isso significa que trabalhar muitas horas poderá não ser mais a
norma, mas ter tempo para recarregar as energias e ser mais criativo deverá
ser levado em conta.
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