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segunda-feira, 31 de outubro de 2016

É O FIM DA JUSTIÇA DO TRABALHO?



Decisões do STF ignoram TST como órgão de cúpula em matéria trabalhista
Wagner Luís Verquietini*
Recentemente, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) comemorou seu reconhecimento como Órgão do Poder Judiciário com a aprovação da EC 92/2016.
Segundo o seu Presidente, Ives Gandra Martins Filho, “o novo texto é de fundamental importância ao reconhecer a Reclamação de Competência, instrumento para a preservação da competência e da jurisprudência do TST. Ele lembrou que tanto o Supremo Tribunal Federal (STF) quanto o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já possuem este instrumento, que democratiza o acesso às decisões dos tribunais superiores. O dispositivo estabelece que o TST pode fazer valer a sua decisão caso outras instâncias decidam de forma diferente da sua”([1][1]).
Porém, com a assunção ao poder do presidente da república – Michel Temer, o modelo capitalista “neoliberal” voltou ao cenário nacional com força máxima.
O momento histórico oportuniza a concretização das propostas da Confederação Nacional da Indústria (CNI), que historicamente chama a legislação trabalhista e as decisões do TST de irracionais ([2][2]).
Para o mercado, a reforma trabalhista é fundamental. A “desregulamentação” das leis de proteção ao trabalho constitui um “imperativo” econômico basal, invocado em nome da competitividade, da produtividade, da formalização do mercado de trabalho e do combate ao desemprego, fala reproduzida no discurso de posse do atual governo.
Contudo, promover ampla e profunda reforma trabalhista nesses moldes causaria enorme desgaste aos agentes políticos, preço que não querem pagar, vez que em jogo a hegemonia conquistada com o “impeachment” da presidenta Dilma Rousseff.
Não se sabe se há um acordo silencioso entre os Poderes ou se o Executivo percebeu que o Judiciário, por meio do STF, poderia avocar a desregulamentação trabalhista sem causar os prejuízos políticos temidos pelo Planalto.
Nesse sentido, em entrevista em 5 de outubro do presidente Michel Temer à rede Bandeirantes, ele diz textualmente (3’31”):
"Interessante como o próprio Judiciário já está começando a fazer uma reforma trabalhista. Tanto que, logo depois do teto, nós vamos para a reforma da Previdência, com aquelas significações que eu acabei de mencionar. E, ao mesmo tempo, levar adiante o que remanescer, ainda, da reforma trabalhista. Porque se num dado momento, os tribunais superiores, interpretando a Constituição Federal e a CLT, fizer, por conta própria (risos), uma reforma trabalhista, nós não precisamos levar adiante."
Certo é que a reforma por meio da desconstrução interpretativa da Constituição por “iniciativa” do STF se mostra aos olhos de todos de uma maneira contundente e avassaladora a partir da tomada do Poder.
Essa marcha não respeita a Justiça do Trabalho e o TST como órgão de cúpula em matéria trabalhista.
Um exemplo é o RE 895.759, onde se discutia se é possível reduzir horas “in itinere” através de norma coletiva (negociado sobre o legislado). O ministro Teori Zavascki, em três meses, monocarpicamente subverteu nove anos de tramitação perante a Justiça do Trabalho. Ele desconstruiu toda a compreensão jurídica que havia sido formada na esfera trabalhista ([3][3]).
Outro caso foi a decisão do ministro Dias Toffoli nos autos da Reclamação 24.597 apresentada pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto. Nesse processo o STF ignorou por completo o TST, vez que revogou uma sentença do TRT de Campinas, sem nem mesmo recorrer ao TST. Como disse Jorge Luiz Souto Maior “passou por cima do TST” ([4][4]).
De outro lado, o ministro Dias Toffoli fez letra morta da Constituição ao julgar que os funcionários da saúde não têm direito à greve.
Por fim, outra questão demonstra que o TST é, em verdade, um ser figurativo, como toda a Justiça do Trabalho passou a ser após a nova ofensiva “neoliberal”, apesar de constar da Constituição como órgão de cúpula do Poder Judiciário.
Trata-se da ADPF n.º 323, onde o ministro Gilmar Mendes, em atenção ao pedido da Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (Confenen), ignorou e enfrentou o TST, antes mesmo do próprio TST, em matéria relativa à ultratividade de normas coletivas e suspendeu os efeitos da Súmula 277 e de todos os processos que versem sobre a matéria.
Pior é que as decisões chegam a ser contraditórias, pois enquanto Teori Zavascki dá validade ao negociado frente ao legislado, Gilmar Mendes diz que o negociado tem prazo de validade fixo, ou seja, se a parte se recusar a negociar e não tiver comum acordo para instauração de dissídio coletivo, somente resta a alternativa da greve, mas como disse Dias Toffoli, a greve está proibida.
Uma coisa é certa, todas as recentes decisões do STF em matéria trabalhista mitigam o Direito do Trabalho e retiram a proteção do trabalhador.
Vale ressaltar que é bastante preocupante a postura adotada pelo STF, a total inércia do TST e também da comunidade jurídica trabalhista.
É um momento histórico que precisa de resistência. Não é possível se assistir a desconstrução do Direito do Trabalho de forma tão passiva, sem enfrentamento, vez que a finalidade deste é assegurar o mínimo de dignidade ao trabalhador e foi construído com muita luta.
*È especialista em Direito do Trabalho do Bonilha Advogados